O que o sapo-cururu faz para sobreviver à seca sem sair do lugar
Imagine enfrentar meses sem uma gota de chuva, em um solo rachado pelo sol, e ainda assim continuar vivo, sem água, sem comida e sem fugir do lugar. Parece improvável, mas é exatamente assim que o sapo-cururu sobrevive aos períodos mais severos da seca. Enquanto muitos animais migram em busca de condições melhores ou sucumbem ao calor, esse anfíbio permanece imóvel, escondido sob a terra, com uma habilidade de resistência que parece coisa de outro mundo — mas é só adaptação pura.
O sapo-cururu (Rhinella jimi, no Nordeste, ou Rhinella marina, mais comum no Centro-Sul e na América Latina) tem uma estratégia singular de sobrevivência chamada estivação. Trata-se de um estado de dormência semelhante à hibernação dos ursos, mas motivado pela escassez de água e não pelo frio. Quando a seca se anuncia, o cururu se enterra parcialmente no solo e reduz seu metabolismo ao mínimo. Seus batimentos cardíacos ficam lentos, ele praticamente para de se mover, de se alimentar e até de respirar com intensidade.
Esse comportamento permite que ele enfrente semanas ou até meses de estiagem sem necessidade de se deslocar. Em vez de buscar abrigo, ele transforma o próprio corpo em um abrigo. É um jogo de espera, em que o tempo se arrasta e cada gota de energia e umidade é cuidadosamente preservada.
Durante esse estado de estivação, o sapo-cururu secreta uma substância viscosa que recobre toda a sua pele. Esse muco se transforma em uma fina película protetora que endurece com o tempo, formando algo parecido com um casulo. Essa camada funciona como uma barreira física contra a perda de água, impedindo que o animal desidrate completamente.
A pele dos sapos é naturalmente porosa e, por isso, eles perdem água com facilidade — um risco enorme em tempos de seca. Essa “capa de sobrevivência” é o que permite ao cururu manter a hidratação mínima necessária para continuar vivo até o retorno das chuvas.
Outro fator crucial para o sucesso dessa técnica está no local escolhido para se enterrar. O sapo-cururu busca áreas onde o solo ainda conserva umidade, mesmo que superficial. Pode ser embaixo de folhas secas, pedras, troncos caídos ou até em canteiros de jardim e vasos abandonados nas áreas urbanas. Qualquer lugar que proteja contra o calor direto e permita acesso à umidade residual pode servir.
Em solos mais arenosos ou expostos, a perda de umidade é rápida demais. Já em terrenos ricos em matéria orgânica e sombra, a umidade persiste por mais tempo, garantindo a viabilidade da estivação. Há registros de sapos que permaneceram enterrados por até 90 dias seguidos nesse estado sem qualquer alimento ou fonte de água externa.
Antes de adotar esse modo de economia extrema, o sapo-cururu passa por uma fase intensa de alimentação. Nas semanas que antecedem o período seco, ele se alimenta com voracidade, aproveitando a abundância de insetos e pequenos invertebrados. Essa “engorda estratégica” permite o acúmulo de gordura corporal, que será metabolizada lentamente ao longo do período de dormência.
É essa gordura que sustenta o animal durante a seca, funcionando como uma reserva vital. Quanto mais ele conseguir armazenar antes de se recolher, maior sua chance de atravessar o período seco com sucesso.
Com o avanço das mudanças climáticas, os períodos de estiagem estão se tornando mais intensos e imprevisíveis em várias regiões do Brasil. Isso representa um novo desafio para o sapo-cururu. A irregularidade no regime de chuvas afeta diretamente a sincronia do seu ciclo de estivação e reprodução.
Como os sapos precisam de ambientes aquáticos para depositar seus ovos — que eclodem em girinos —, a ausência de chuvas por longos períodos pode comprometer gerações inteiras. Além disso, a antecipação da seca pode não dar tempo suficiente para que o animal acumule energia e gordura antes de se recolher, colocando sua sobrevivência em risco.
Embora o sapo-cururu consiga passar meses enterrado no mesmo lugar, ele depende da água para cumprir seu ciclo reprodutivo. Quando as chuvas finalmente chegam, ele emerge do solo e busca rapidamente corpos d’água — mesmo que temporários — para vocalizar, atrair fêmeas e acasalar. As fêmeas depositam milhares de ovos, que se desenvolvem rapidamente antes que o ambiente volte a secar.
Esse comportamento faz do sapo-cururu um importante indicador ecológico: sua presença e seus rituais estão diretamente ligados à saúde do ecossistema. Quando ele canta, é sinal de que a chuva voltou e a vida está recomeçando.
Nas áreas urbanas, o sapo-cururu também encontra espaços para se proteger durante a seca. No entanto, enfrenta novos perigos. Entulhos, lixos, pesticidas e construções em andamento destroem refúgios naturais e aumentam as chances de atropelamento, queimaduras ou exposição ao cimento quente.
Além disso, o preconceito popular contra sapos — muitas vezes vistos como “nojentos” ou perigosos — faz com que pessoas matem esses animais desnecessariamente, sem saber que eles controlam pragas, equilibram o ecossistema e não oferecem risco se respeitados.
O sapo-cururu não precisa correr, fugir ou se esconder em outro lugar para enfrentar a seca. Ele sobrevive por saber esperar. Seu corpo se adapta, sua pele se blinda, seu metabolismo desacelera e sua mente animal obedece ao ritmo da natureza. Ele nos ensina, silenciosamente, que a sobrevivência também é feita de calma e estratégia.
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