Marcelo Camargo/Agência Brasil
Enquanto o mundo se reúne em Belém (PA) para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) avalia que o encontro marca o início de uma década decisiva na luta global contra o aquecimento do planeta.
Realizada em meio a recordes históricos de temperatura e à escalada nas emissões de gases de efeito estufa, a conferência enfrenta um cenário desafiador: relações internacionais tensas, disputas comerciais e diferentes visões sobre o futuro da matriz energética global.
“Esta tem o potencial de ser uma das COPs mais importantes da última década”, afirmou Ruth do Coutto, vice-diretora da Divisão de Clima da UNEP. “Mas é impossível negar que estamos enfrentando fortes ventos contrários.”
A UNEP elenca seis grandes frentes de negociação que definirão o rumo das próximas políticas climáticas — e, em última instância, o futuro do planeta.
O Relatório de Lacuna de Emissões 2025 (Emissions Gap Report), divulgado pela UNEP às vésperas da conferência, mostra que os compromissos nacionais atuais colocam o mundo em uma trajetória de aquecimento entre 2,3°C e 2,5°C até o fim do século — muito além do limite de 1,5°C estabelecido no Acordo de Paris.
Segundo o estudo, a superação temporária da marca de 1,5°C é praticamente inevitável na próxima década. O desafio, agora, é reduzir a duração e a intensidade desse “overshoot” por meio de cortes profundos em setores de alta emissão, como energia, transporte e indústria.
Durante a COP30, os países serão pressionados a apresentar planos imediatos de descarbonização, com metas verificáveis e mecanismos de implementação.
A adaptação será outro tema central em Belém. O Relatório de Lacuna de Adaptação 2025, também da UNEP, estima que nações em desenvolvimento precisarão de US$ 310 bilhões anuais até 2035 para se preparar para os efeitos extremos do clima — e atualmente dispõem de apenas uma fração desse valor.
A conferência deve definir uma nova meta global de financiamento para adaptação, além de estabelecer indicadores para o Marco Global de Adaptação.
Entre as medidas discutidas, estão o fortalecimento de sistemas de alerta precoce, que segundo a UNEP, podem gerar até 15 vezes mais economia do que o investimento realizado em prevenção.
Azerbaijão e Brasil, respectivamente anfitriões da COP29 e COP30, apresentaram antes do evento um roteiro conjunto para mobilizar US$ 1,3 trilhão anuais até 2035 para ações climáticas em países em desenvolvimento.
A UNEP avalia que esse volume só será viável se fundos públicos forem usados para atrair capital privado em larga escala.
Isso exige reforma nos bancos multilaterais de desenvolvimento, soluções de dívida inovadoras e instrumentos financeiros capazes de converter promessas em fluxos reais de investimento.
Além das negociações formais, a COP30 será palco para iniciativas inovadoras que buscam respostas práticas à crise climática.
Entre elas, o Beat the Heat Implementation Drive, liderado pelo Brasil e pela UNEP, que estimula soluções locais contra o calor extremo, como telhados frios, áreas verdes urbanas e sistemas de alerta comunitários.
Outro destaque é o Bairro do Mutirão para Cidades, Água e Infraestrutura, projeto brasileiro que mostra como design inteligente e economia circular podem transformar bairros em espaços resilientes e sustentáveis.
A UNEP também lançará o Food Waste Breakthrough, plano global de cinco anos para reduzir o desperdício de alimentos em 50%, com potencial de diminuir em até 7% as emissões de metano.
Já o Tropical Forest Forever Facility propõe pagar países para manter florestas em pé, combinando financiamento misto e mecanismos jurisdicionais de REDD+.
A expectativa é que o programa forneça mais da metade dos recursos necessários para conservar as florestas tropicais.
A UNEP reforça que a transição energética só será bem-sucedida se for socialmente justa.
Embora as energias renováveis já ofereçam a eletricidade mais barata do planeta, comunidades dependentes de indústrias de alto carbono não podem ser deixadas para trás.
Na COP30, está prevista a criação do Mecanismo de Ação de Belém para a Transição Justa, que deve detalhar como governos e empresas podem colocar as pessoas no centro da transformação econômica — com capacitação profissional, geração de empregos verdes e diversificação produtiva.
Também será debatida a redução de poluentes de vida curta, como o metano, altamente eficazes para frear o aquecimento global a baixo custo, especialmente no setor de petróleo e gás.
A COP30 carrega uma forte carga simbólica.
Dez anos após o histórico Acordo de Paris, especialistas defendem que o encontro em Belém precisa reacender o espírito de cooperação e urgência que marcou 2015.
Graças ao acordo, o mundo conseguiu reduzir a projeção de aquecimento de 3,5°C para cerca de 2,4°C — um avanço considerável, mas ainda insuficiente para evitar danos irreversíveis.
“Ainda há tempo para evitar o pior,” afirmou Ruth do Coutto, da UNEP. “Mas precisamos agir com a mesma determinação que demonstramos há uma década.”
A COP30 é vista, portanto, como o ponto de partida de uma nova década de entrega, em que compromissos climáticos se traduzem em resultados concretos e mensuráveis.
Com a Amazônia no centro do debate, a UNEP reforça que o sucesso da COP30 depende da capacidade coletiva de transformar promessas em implementação real.
O mundo já sabe o que precisa ser feito — o desafio, agora, é agir com rapidez, justiça e cooperação.
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