Foto: Yago Fagundes/Divulgação
Em um cenário marcado por secas prolongadas, chuvas extremas e recordes sucessivos de temperatura, cresce a busca por modelos produtivos capazes de reconciliar alimento, renda e equilíbrio ambiental. Um deles parte de uma imagem simples, quase poética: lavouras crescendo sob a sombra de árvores nativas, como um milharal protegido pela copa de uma castanheira-do-pará. Essa combinação, longe de ser apenas simbólica, traduz um sistema concreto de uso da terra conhecido como agrofloresta.
A agrofloresta rompe com a lógica do monocultivo e propõe uma reorganização do espaço agrícola a partir dos princípios da própria natureza. Árvores de raízes profundas convivem com culturas alimentares, hortaliças, frutas e espécies medicinais, formando sistemas biodiversos, produtivos e resilientes. O resultado não é apenas estético ou ambiental, mas climático: solos mais férteis, maior retenção de água, redução da erosão e menor emissão de gases de efeito estufa.
Especialistas em clima e sustentabilidade apontam o modelo como uma das estratégias mais promissoras para mitigar os impactos das mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que fortalece a adaptação de comunidades rurais a eventos extremos cada vez mais frequentes.
Em entrevista ao podcast S.O.S! Terra Chamando!, coprodução da Empresa Brasil de Comunicação – EBC com a Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, o engenheiro agrônomo Moisés Savian, secretário do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar – MDA, resume a lógica da agrofloresta em duas frentes complementares: mitigação e adaptação climática.
Ao incorporar árvores vivas ao sistema produtivo, a agrofloresta retira carbono da atmosfera e o fixa no solo e na biomassa vegetal, ajudando a reduzir a concentração de dióxido de carbono, um dos principais gases responsáveis pelo aquecimento global. Ao mesmo tempo, cria microclimas mais estáveis, protegendo lavouras da insolação excessiva, da perda de umidade e da escassez hídrica.
Savian explica que uma lavoura convencional de milho, por exemplo, tende a sofrer rapidamente em períodos de estiagem. Quando integrada a um sistema florestal, passa a se beneficiar da sombra e da capacidade das árvores de acessar água em camadas mais profundas do solo. O efeito é uma produção mais resistente às variações climáticas, sem depender de agrotóxicos ou insumos químicos intensivos.
Além da dimensão ambiental, o modelo também responde a um desafio social urgente: a produção de alimentos e a geração de renda em um contexto global de insegurança alimentar.
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Embora frequentemente apresentada como inovação, a agrofloresta é, na verdade, um conhecimento ancestral. O climatologista Carlos Nobre lembra que povos indígenas habitam a Amazônia há mais de 12 mil anos e desenvolveram formas sofisticadas de manejo da biodiversidade, utilizando milhares de espécies para alimentação, medicina, transporte e cultura. Essa convivência equilibrada com a floresta é hoje reconhecida como uma das chaves para a sustentabilidade planetária.
Essa lógica também inspira iniciativas contemporâneas de cooperação internacional. No município de Botuporã, no interior da Bahia, um projeto iniciado em 2021 conecta comunidades locais a cidades da região da Alsácia do Norte, na França. A parceria envolve agricultores, jovens lideranças e voluntários em uma troca de saberes sobre agroecologia, produção sustentável e valorização do território.
O projeto foi articulado com apoio da prefeitura de Botuporã e da prefeitura da cidade francesa de Eschbach, liderada pelo prefeito Hervé Tritschberger. A iniciativa possibilitou experiências de imersão, como a vivida pelo estudante brasileiro Yago Fagundes, que participou de atividades agroecológicas na França, convivendo com agricultores certificados com o selo “BIO”.
De volta ao Brasil, Yago ajudou a aplicar práticas aprendidas no exterior, incluindo capacitações sobre produção artesanal de alimentos, cercas vivas, plantio em escolas e fortalecimento da biodiversidade local. A experiência resultou na publicação de um livro gratuito, apresentado durante o Festival Nosso Futuro, realizado em Salvador, consolidando aprendizados e perspectivas comuns entre os dois países.
A agrofloresta não se limita a grandes projetos ou políticas públicas. Ela também se manifesta em práticas cotidianas, como o cultivo de hortaliças e leguminosas em quintais urbanos. O jornalista socioambiental Wylliam Torres, morador do Rio de Janeiro, conta que sua primeira referência agroecológica veio do quintal da avó e da bisavó, muito antes de conhecer o termo.
Para ele, a agroecologia ultrapassa a produção de alimentos sem agrotóxicos. Trata-se de resgatar vínculos com o território, com a memória e com formas coletivas de cuidado com a vida. Cada horta, cada árvore plantada, cada sistema biodiverso criado rompe, ainda que em pequena escala, com a lógica puramente exploratória do uso da terra.
Essa visão também orienta as políticas defendidas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, que aposta na recuperação produtiva de áreas degradadas e pastagens subutilizadas por meio de sistemas agroflorestais. Segundo Savian, o Brasil tem a oportunidade de ampliar sua cobertura florestal sem abrir mão da produção de alimentos, avançando em uma agricultura resiliente, de baixo carbono e socialmente inclusiva.
Na avaliação do secretário, a Floresta em Pé não é uma solução instantânea para a emergência climática, mas um processo contínuo, cumulativo e transformador. Um “remédio” aplicado em doses constantes, capaz de restaurar ecossistemas, fortalecer comunidades e reposicionar o país como referência global em sustentabilidade.
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