COP 30

O motor oceânico que está parando, como o enfraquecimento da circulação do atlântico pode mudar o clima da Amazônia

Um dos mais discretos, mas poderosos, motores do clima planetário está ameaçado de colapso. A Circulação Meridional do Atlântico, conhecida pela sigla Amoc (Atlantic Meridional Overturning Circulation), funciona como uma esteira oceânica que transporta calor do sul para o norte, regulando o clima em todo o hemisfério norte e influenciando a dinâmica de chuvas em regiões tropicais, como a Amazônia. Agora, um estudo internacional publicado na Nature Communications indica que esse sistema vital pode se enfraquecer de forma inédita até o final do século.

A pesquisa, que reuniu cientistas da Alemanha, Suíça e Brasil, reconstruiu o comportamento da Amoc ao longo dos últimos 12 mil anos, através da análise de sedimentos marinhos coletados em pontos estratégicos do Atlântico Norte. Eles usaram elementos radioativos como o tório-230 e o protactínio-231 para estimar a intensidade da circulação oceânica durante o Holoceno.

Segundo Cristiano Mazur Chiessi, professor da USP e um dos autores do artigo, a Amoc manteve uma estabilidade notável nos últimos 6.500 anos. Essa relativa calma, no entanto, contrasta com os cenários projetados para as próximas décadas, que indicam uma perda de intensidade sem precedentes nesse intervalo de tempo. A razão está no aquecimento global induzido por atividades humanas.

“Não há registro de uma instabilidade comparável com o que os modelos climáticos projetam para o futuro próximo. E isso deve ser levado a sério por governos, sociedade e a própria comunidade científica”, afirma Chiessi.

O que está em jogo: a chuva na Amazônia

Um dos impactos mais sensíveis desse colapso pode atingir justamente a região mais preservada da floresta amazônica: o norte da Amazônia, que inclui partes do Brasil, da Colômbia, Venezuela e Guianas. Com o enfraquecimento da Amoc, as chuvas equatoriais tendem a se deslocar para o sul, reduzindo drasticamente a pluviosidade nessa região.

“A mudança climática pode impor vulnerabilidade às áreas que, até agora, funcionaram como um porto seguro da biodiversidade”, alerta o pesquisador.

A redução de chuvas, somada à pressão do desmatamento, pode desencadear um ciclo de retroalimentação negativa, agravando ainda mais o risco de colapso ecológico da floresta. Estudos anteriores, como o publicado em 2024 por Thomas Kenji Akabane e colegas, já haviam apontado essa tendência: enfraquecimentos anteriores da Amoc coincidiram com a substituição de florestas úmidas por vegetações mais secas e sazonais no norte amazônico.

Representação esquemática da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (seta em azul claro e vermelho), que transporta, perto da superfície, águas quentes do sul para o norte; e, em profundidades intermediárias, águas frias do norte para o sul. O desenho também mostra uma outra célula (seta em azul escuro), que transporta águas em grande profundidade (imagem: croqui de Cristiano Mazur Chiessi a partir de informações de Voigt et al., 2017)

SAIBA MAIS: A Amazônia está sob pressão, o desmatamento e o clima global mudam o coração verde do planeta

O funcionamento da Amoc

Para entender a gravidade da mudança, é preciso saber como funciona esse sistema. A Amoc transporta, na superfície, águas quentes dos trópicos para o Atlântico Norte. Ali, essas águas esfriam e afundam, retornando em profundidade para o sul. É esse fluxo que distribui calor entre os hemisférios e estabiliza o clima de regiões como a Europa e a bacia amazônica.

Esse processo, porém, depende de um delicado balanço entre salinidade e temperatura. Com o derretimento acelerado das calotas polares, especialmente na Groenlândia, grandes volumes de água doce estão sendo despejados no Atlântico Norte, reduzindo a salinidade e dificultando o afundamento das águas frias. O resultado é o enfraquecimento progressivo da Amoc.

Ponto de não retorno?

A possibilidade de colapso total da Amoc é tratada com extrema cautela pelos cientistas. Mas os sinais de alerta estão se acumulando. Monitoramentos iniciados em 2004 indicam tendência de queda na intensidade da circulação. Embora ainda não haja consenso sobre se essa desaceleração já passou do ponto de não retorno, o risco de uma mudança abrupta não pode mais ser ignorado.

Segundo Chiessi, “ainda temos tempo para agir, mas as medidas precisam ser urgentes, ambiciosas e coordenadas internacionalmente”. Isso inclui desde a redução drástica das emissões de gases de efeito estufa até a proteção efetiva das áreas mais vulneráveis do planeta, como a Amazônia.

Quando a ciência fala, é hora de ouvir

O estudo traz um aviso claro: pela primeira vez em mais de seis mil anos, o sistema que equilibra a distribuição de calor nos oceanos pode estar prestes a entrar em colapso. E o Brasil, guardião da maior floresta tropical do mundo, está entre os países mais expostos a esse risco.

A Amazônia não está isolada. Sua chuva depende do oceano. E o oceano, por sua vez, está respondendo às escolhas que fazemos todos os dias. Ouvir o que os cientistas têm a dizer é o primeiro passo para reequilibrar essa relação.

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