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Belém rumo a um futuro climático extremo e os desafios de uma cidade em transformação

Belém, a capital paraense conhecida como a “Cidade das Mangueiras”, está enfrentando um cenário climático cada vez mais desafiador. Com o aumento das temperaturas e a intensificação dos eventos extremos, a população local já sente os impactos das mudanças climáticas no seu dia a dia.

Imagem: Igor Mota / O Libera

Impactos do calor extremo

De comunidades ribeirinhas às periferias urbanas, os efeitos do calor excessivo, da estiagem prolongada e das chuvas intensas estão transformando a vida na cidade.

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Na ilha do Combu, localizada a poucos quilômetros do centro de Belém, as mulheres extrativistas da Associação das Mulheres Extrativistas do Combu (AME) enfrentam dificuldades para manter a produção de andiroba, uma semente típica da Amazônia cujo óleo é amplamente utilizado para fins medicinais. “Este ano, começamos a sentir o impacto do aquecimento global. A produção diminuiu significativamente, e tivemos que nos adaptar, trabalhando com outros recursos, como a folha de cacau”, explica Dayse Soares, integrante da AME.

O calor extremo também afeta os moradores da ilha, como o artesão Charles Teles, que descreve o clima atual como “desordenado”. “Estamos no meio da floresta, cercados por água, mas o calor deste ano foi insuportável. Nunca sentimos algo assim antes”, relata. Essa sensação de calor intenso não se limita às ilhas. Na parte continental de Belém, a população também percebe que a cidade está mais quente. A pesquisadora Marlucia Martins, do Museu Paraense Emílio Goeldi, confirma que os efeitos das mudanças climáticas se intensificaram nos últimos dois anos, com 2023 e 2024 sendo os anos mais quentes já registrados.

Falta de arborização e injustiça ambiental

Um dos fatores que contribuem para o aumento da sensação térmica em Belém é a baixa cobertura vegetal. Segundo Rodrigo Rafael, professor e coordenador do curso de Geografia da Universidade do Estado do Pará (UEPA), a cidade tem uma média de apenas 2,5 árvores por metro quadrado para cada habitante, muito abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que varia entre 9 e 12 árvores por metro quadrado. “Isso gera um desconforto térmico significativo, especialmente nas áreas mais pobres e periféricas, onde a arborização é ainda mais escassa”, explica Rafael.

A falta de verde nas periferias agrava a sensação de calor e expõe a população a condições de vulnerabilidade. “São áreas onde a pobreza e a criminalidade são mais altas, e onde as pessoas estão mais expostas a eventos climáticos extremos, como ondas de calor e ilhas de calor”, afirma o professor. A ativista ambiental Waleska Queiroz, do movimento COP das Baixadas, reforça que as periferias são “zonas de sacrifício”, onde problemas como a falta de saneamento e arborização se intensificam com a crise climática.

Chuvas intensas e alagamentos

Além do calor, Belém também enfrenta desafios com as chuvas. A estiagem prolongada em 2023 atrasou o início do período chuvoso, que só começou em dezembro. No entanto, quando as chuvas chegaram, foram intensas e causaram alagamentos em várias partes da cidade. Andrew Leal, morador do bairro da Terra Firme, relata que sua casa foi alagada após uma forte chuva no dia 25 de dezembro. “A obra de saneamento na região piorou a situação, deixando as casas em um nível mais baixo que o da rua. Agora, qualquer chuva forte transforma nossas casas em piscinas”, desabafa.

Imagem: Ivan Duarte

Um futuro climático desafiador

Estudos projetam um cenário preocupante para Belém nas próximas décadas. De acordo com uma pesquisa da ONG CarbonPlan em parceria com o jornal americano The Washington Post, a cidade será o segundo centro urbano mais quente do mundo até 2050, com 222 dias de calor extremo por ano. No início dos anos 2000, Belém tinha apenas 50 dias anuais de calor extremo. O climatologista José Marengo, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), alerta que os extremos climáticos estão se tornando mais frequentes e intensos. “A estação chuvosa está começando mais tarde, e a estiagem está mais longa e quente”, explica.

Caminhos para a resiliência

Diante desse cenário, Belém busca se preparar para um futuro mais resiliente. A cidade, que sediará a COP30 em novembro de 2025, está realizando mais de 30 obras estruturais, com investimentos federais superiores a R$ 4 bilhões. Além disso, a sociedade civil tem se mobilizado para discutir e implementar políticas climáticas. No final de 2024, foi aprovado o primeiro Fórum Municipal sobre Mudanças Climáticas de Belém, que reúne representantes de periferias, comunidades quilombolas e indígenas para debater soluções.

Sérgio Brazão, ex-coordenador do Fórum Climático de Belém e assessor especial da COP30, destaca a importância de um planejamento de longo prazo. “Esse fórum não é de um governo específico, mas de toda a cidade. É fundamental que as próximas gestões continuem a implementar medidas para combater a injustiça climática e promover a arborização”, afirma.

Desafios

Apesar dos esforços locais, a pesquisadora Marlucia Martins ressalta que os desafios climáticos de Belém estão intrinsecamente ligados a questões globais. “Não há solução para Belém sem uma solução internacional. Os efeitos climáticos são globais, e a atmosfera não respeita fronteiras”, conclui. Enquanto isso, a cidade segue buscando formas de se adaptar e mitigar os impactos de um clima cada vez mais extremo.

Redação Revista Amazônia

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