Bruno Cruz/Ag. Pará
Durante a COP30, realizada em Belém, a Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa) apresentou um relatório inédito que lança luz sobre a dimensão econômica e social da bioeconomia no Pará. O documento, resultado da Rede Pará de Estudos sobre Contas Regionais e Bioeconomia, estima que o setor movimentou R$ 13,5 bilhões em 2021, consolidando-se como vetor estratégico para o desenvolvimento sustentável e a valorização da sociobiodiversidade amazônica.
O estudo foi desenvolvido em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA), a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) e a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). A pesquisa segue metodologias reconhecidas internacionalmente, como as da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o que garante precisão na mensuração das cadeias produtivas baseadas em recursos naturais e práticas tradicionais.
O relatório mapeia cadeias emblemáticas da economia da floresta — mandioca, açaí, cupuaçu, cacau, mel, pesca e oleaginosas como andiroba, copaíba e dendê. Juntas, essas atividades formam um mosaico econômico que combina tradição, inovação e resiliência. Segundo a pesquisa, cada R$ 1 investido na bioeconomia gera R$ 1,13 no PIB, além de R$ 0,19 em massa salarial e R$ 0,06 em tributos, comprovando seu impacto multiplicador.
Contudo, o levantamento revela uma contradição profunda: a força produtiva da sociobiodiversidade convive com altos níveis de informalidade. A cadeia da mandioca, por exemplo, tem Valor Bruto da Produção (VBP) estimado em R$ 7 bilhões, mas apenas R$ 10 milhões são formalmente registrados — reflexo de uma economia invisível, movida por pequenas casas de farinha e redes comunitárias que escapam ao alcance das políticas públicas.
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A análise também destaca desigualdades marcantes. No caso da castanha-do-pará, apenas 2,94% do valor final permanece com os extrativistas, enquanto a indústria concentra mais de 95% da renda. Por outro lado, experiências cooperativas em torno dos óleos de andiroba e copaíba mostram outro caminho: quando há organização social, as comunidades chegam a reter até 32% do valor total, o que reforça o papel das cooperativas como instrumentos de emancipação econômica.
“Ter dados concretos sobre essas cadeias muda completamente a forma de pensar políticas públicas”, observa Daniel Silva, professor da Unifesspa. “O Pará agora tem um retrato que mostra a robustez e a importância econômica da bioeconomia.”
O relatório também detalha fluxos comerciais dentro e fora do Estado. O cacau paraense é majoritariamente escoado para a Bahia, principal polo chocolateiro do país, enquanto a pesca e a aquicultura mantêm alto grau de formalização e exportam para estados como São Paulo, Goiás e o Distrito Federal. A análise das Notas Fiscais Eletrônicas permitiu rastrear esses fluxos e identificar gargalos logísticos, abrindo espaço para estratégias de industrialização local e agregação de valor no território paraense.
A crise climática já impõe perdas significativas. Em municípios como Marabá e São Domingos do Araguaia, queimadas e secas prolongadas vêm devastando babaçuais e castanhais. No oeste do Estado, há registros de queda na floração das castanheiras e prejuízos em culturas alimentares básicas, como feijão, banana e macaxeira. Mapas elaborados com base na plataforma AdaptaBrasil apontam áreas de alta vulnerabilidade e baixa capacidade adaptativa — um alerta para políticas urgentes de adaptação climática.
O relatório propõe medidas estruturais: criar políticas específicas para a economia informal, fortalecer cooperativas, investir em adaptação climática e incentivar a industrialização verde. Também anuncia uma nova agenda de pesquisa voltada à restauração florestal, ao protagonismo feminino nas cadeias produtivas e ao desenvolvimento de indicadores de sustentabilidade.
Para Atyliana Dias, diretora de Estatística e Gestão da Informação da Fapespa, a iniciativa simboliza uma virada metodológica: “A Rede de Bioeconomia representa um passo decisivo para mensurar a Amazônia produtiva com rigor e sensibilidade. É uma ciência que escuta a floresta e traduz seus números em políticas concretas.”
A cooperação entre universidades e órgãos públicos reforça a ideia de que o futuro da Amazônia não se mede apenas em hectares ou toneladas, mas na capacidade de alinhar ciência, cultura e desenvolvimento humano em um mesmo projeto de sociedade.
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