Tecnologia

Brasil aposta na nanocelulose para inovar em materiais sustentáveis

O avanço da tecnologia de materiais e a crise enfrentada pela indústria tradicional de papel impulsionaram o surgimento de uma nova fronteira científica e industrial: a nanocelulose.

O potencial escondido nas fibras vegetais

Trata-se de uma versão da celulose em escala nanométrica, menos de 100 nanômetros em pelo menos uma dimensão, extraída de fibras vegetais. Essa forma inovadora pode ser subdividida em dois tipos principais: nanofibrilas, que se assemelham a fios de espaguete, e nanocristais, parecidos com grãos de arroz, com propriedades físico-químicas valiosas como carga elétrica superficial e comportamento óptico específico.

Imagem: Modern Synthesis

Derivados de fontes renováveis como madeira de reflorestamento, bagaço de cana, cascas de arroz e resíduos agrícolas, os nanocristais de celulose têm se mostrado versáteis, leves e biodegradáveis, características que os colocam à frente de diversos materiais sintéticos derivados do petróleo.

Investimentos brasileiros no cenário global

O Brasil não está apenas atento a essa tendência, mas tem investido ativamente no desenvolvimento e domínio da tecnologia de produção da nanocelulose. Em 2013, a empresa Granbio adquiriu 25% da norte-americana American Process Inc. (API), pioneira em tecnologias de baixo custo para extração de nanocelulose. Desde então, a empresa brasileira tem ofertado amostras do material a possíveis parceiros comerciais.

Outra grande empresa nacional, a Fibria, comprou em 2016 uma fatia de 8,3% da canadense CelluForce, a primeira produtora comercial de nanocristais de celulose no mundo. Com o investimento de cerca de US$ 4 milhões, a Fibria garantiu os direitos de produção no Brasil e de distribuição para toda a América Latina. A empresa projeta instalar uma fábrica-piloto no Espírito Santo para desenvolver o produto localmente.

Usos promissores em diversos setores

As aplicações potenciais da nanocelulose são amplas. Ela pode ser usada como reforço em plásticos e cimento, na fabricação de curativos especiais, próteses e sensores industriais, além de compor tintas, cosméticos, revestimentos e até componentes da indústria eletrônica. O uso no concreto, por exemplo, pode aumentar em até 30% sua resistência à tração, conforme demonstrado em pesquisa da Universidade de Purdue, nos EUA. Isso permite reduzir a quantidade de cimento na mistura e torna a produção mais sustentável.

Em cosméticos e fluidos industriais, os nanocristais atuam como espessantes eficientes. No Brasil, a pesquisadora Juliana Bernardes, do LNNano/CNPEM, lidera uma linha de pesquisa com foco em aplicações cosméticas e médicas, como um gel cicatrizante à base de nanocelulose.

Colaborações internacionais e inovação acadêmica

Diversos centros internacionais têm se dedicado à produção e desenvolvimento de produtos com nanocelulose. Na Suécia, um projeto coordenado pelo Royal Institute of Technology (KTH) e com a participação da brasileira Daniele Oliveira de Castro, colabora para produzir espumas antichamas e papéis mais resistentes. A iniciativa envolve também empresas como a Melodea e centros como o MoRe Research e o Instituto Rise.

O Canadá, outro polo da indústria celulósica, abriga a Blue Goose Biorefineries, que comercializa nanocristais de celulose por cerca de US$ 1 mil o quilo. A empresa se destaca pelo uso de um processo oxidativo mais limpo e com menor impacto ambiental.

Pesquisas brasileiras em destaque

Grupos de pesquisa brasileiros também têm feito avanços significativos. No Instituto de Física da USP, um estudo liderado por Antônio Figueiredo Neto mostrou que nanocristais podem gerar filmes iridescentes com maior versatilidade óptica que os sintéticos, ao interagir com cristais líquidos.

Na UFMG, o professor Fabiano Pereira desenvolveu um método de pirólise para converter nanocristais de celulose em carbon dots, nanomateriais com propriedades fotoluminescentes que podem substituir pontos quânticos usados em displays de TVs, sensores e células solares. Diferente dos pontos quânticos convencionais, esses derivados da celulose são renováveis, abundantes e não tóxicos.

Um mercado em expansão

Apesar de ainda estar em estágio pré-comercial, o mercado global da nanocelulose já movimentava US$ 65 milhões em 2015 e deve ultrapassar os US$ 500 milhões em 2021, com crescimento anual estimado em 30%. O valor agregado da nanocelulose pode ser até 20 vezes superior ao da celulose tradicional, o que reforça o interesse industrial e acadêmico no material.

O desafio da escala

Um dos principais obstáculos enfrentados por pesquisadores e empresas é a dificuldade de produção em escala industrial. O desafio é transformar protótipos laboratoriais, geralmente em escala centimétrica, em produtos de maior dimensão que possam ser testados em aplicações reais. Vários centros, como o MoRe Research e o KTH, trabalham para superar essa barreira, projetando fábricas-piloto capazes de produzir em metros.

Com a união entre pesquisa científica, inovação tecnológica e investimento empresarial, o Brasil se posiciona como um dos protagonistas no desenvolvimento da nanocelulose, uma matéria-prima que pode revolucionar a indústria de materiais.

Fonte: Pesquisa FAPESP

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