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O Brasil voltou a uma conferência internacional sobre o controle do mercúrio sem apresentar o plano de ação que deveria ter sido entregue há cinco anos. Na 6ª Conferência das Partes da Convenção de Minamata (COP6), iniciada nesta segunda-feira (3) em Genebra, o país cobrou financiamento internacional para combater a contaminação causada pela mineração, mas não apresentou uma estratégia completa para eliminar o uso do metal no garimpo.
A Convenção de Minamata, em vigor desde 2017, foi criada para proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos tóxicos do mercúrio, proibindo novas minas, determinando o fechamento das existentes e estabelecendo prazos para a eliminação do metal em produtos como lâmpadas, termômetros e pilhas. Embora o tratado não proíba explicitamente seu uso na mineração de ouro artesanal, recomenda que os países elaborem planos nacionais para reduzir e, no futuro, erradicar a prática.
O Brasil, signatário da convenção, deveria ter entregue seu Plano Nacional de Ação até 2020. No entanto, o compromisso foi descumprido tanto no governo anterior quanto nos primeiros anos da atual gestão. Na COP6, representantes do governo Lula admitiram que o documento ainda não está pronto. Segundo o Ministério de Minas e Energia, o plano está em fase final de elaboração e deve ser apresentado “em breve” ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, chefiado por Marina Silva.
Enquanto isso, a realidade avança em sentido contrário. Um levantamento do Instituto Escolhas aponta que 185 toneladas de mercúrio ilegal foram utilizadas na extração de ouro no Brasil entre 2018 e 2023. O metal, usado como uma espécie de ímã que separa o ouro das impurezas, é essencial para o garimpo ilegal na Amazônia, especialmente em áreas como as Terras Indígenas Yanomami, Munduruku e Kayapó, onde causa danos graves à saúde e à biodiversidade.
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Segundo Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Instituto Escolhas, a ausência do plano brasileiro é um retrocesso. “Avançamos pouco desde que o tratado entrou em vigor. Chegamos à COP6 praticamente na mesma posição de dois anos atrás. Precisamos estabelecer metas e prazos concretos para eliminar o mercúrio na extração de ouro e iniciar de fato a transição para uma mineração limpa”, afirmou.
Apesar das críticas, o governo brasileiro destaca algumas ações em andamento. O país apresentou a Avaliação Inicial da Implementação da Convenção de Minamata (MIA), iniciou um programa inédito de monitoramento ambiental na Terra Indígena Yanomami e criou a Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ), que inclui representantes do governo, da sociedade civil, da indústria e da academia. Além disso, o Brasil se comprometeu a eliminar gradualmente o uso de amálgamas dentárias até 2030 — decisão inédita apresentada oficialmente nesta COP6.
O país também informou que as três últimas fábricas que ainda utilizam mercúrio no país estão em processo de desativação dentro do prazo estabelecido pela convenção, até 2025. Ao contrário de nações como Argentina e Índia, o Brasil não pediu prorrogação para 2030.
Mesmo assim, o impasse é evidente. O Conselho Nacional de Política Mineral, reativado recentemente, ainda precisa aprovar o texto do plano de ação, que deverá passar também pela CONASQ. Os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde insistem que o plano precisa ser interministerial, articulando políticas de saúde pública, segurança ambiental e transição produtiva para os garimpeiros.
No campo diplomático, o Brasil tenta compensar a ausência do plano com propostas voltadas ao financiamento. O governo propôs a criação de um mandato específico dentro do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) para destinar recursos à vigilância ambiental e de saúde, especialmente em territórios indígenas afetados pela contaminação. A medida é apoiada por União Europeia, Noruega e Suíça.
Outra proposta brasileira é o desenvolvimento de mecanismos de rastreabilidade do ouro, a fim de identificar sua origem e impedir que o metal extraído com mercúrio ilegal entre no comércio internacional. O Banco Mundial e organizações da sociedade civil defendem a adoção de sistemas digitais de certificação para ampliar a transparência na cadeia do ouro.
A Rede Internacional para a Eliminação de Poluentes (IPEN) estima que o garimpo artesanal e de pequena escala seja responsável por 37% da poluição global por mercúrio. O setor emprega entre 10 e 20 milhões de pessoas no mundo e responde por 20% da produção total de ouro. A alta recente do preço do metal, triplicando em uma década, reacendeu a demanda por mercúrio, tornando o desafio ainda maior.
Para especialistas, a inércia brasileira compromete não apenas a credibilidade internacional do país, mas também a saúde de milhares de pessoas na Amazônia. O mercúrio contamina peixes, rios e populações inteiras, atravessando gerações. Eliminar o uso desse metal não é apenas uma questão ambiental, mas uma urgência humanitária.
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