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Por uma Nova Cabanagem

Às vésperas da COP-30, “relembrar” os 190 anos da Cabanagem é mais do que um exercício histórico: é um ato político. O uso das aspas em “relembrar” é proposital, porque não se pode lembrar do que a nossa consciência coletiva nunca aprendeu. A Cabanagem, um dos maiores levantes populares da história do Brasil, permanece como uma memória abafada em nós.

Cabanos

Ela foi a expressão máxima do descontentamento de um povo marginalizado. Em 1835, Belém explodiu em revolta contra a exclusão política, a opressão econômica e a desigualdade social impostas por um império distante e alheio às necessidades da população. Liderados por negros, indígenas, mestiços e setores populares e liberais, os Cabanos não apenas tomaram a capital da província do Grão-Pará, mas governaram-na, ainda que por um breve período. Esse feito extraordinário foi um grito de resistência que deveria ecoar até hoje.

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Os problemas que levaram à Cabanagem, infelizmente, permanecem vivos na realidade amazônica contemporânea. No século XIX, uma elite concentrava o poder político e econômico, explorando recursos naturais e humanos da região, enquanto mantinha a população à margem dos direitos mais básicos. Em pleno século XXI, vemos um modelo de desenvolvimento igualmente predatório, em que grandes corporações e projetos de exploração devastam a floresta e esgotam os recursos naturais sem gerar benefícios para as comunidades locais.

Controle político e econômico da Amazônia

A Amazônia, ainda hoje, é marcada pela desigualdade. Nas periferias, a população enfrenta falta de infraestrutura básica, saneamento, transporte público precário, violência e desemprego. Nas florestas e áreas ribeirinhas, a luta pela terra e pela sobrevivência continua, com comunidades tradicionais sofrendo ataques constantes de grileiros, madeireiros ilegais e projetos de infraestrutura que ignoram suas necessidades e direitos.
Assim como em 1835, o controle político e econômico da Amazônia permanece concentrado nas mãos de poucos. Governos de diferentes períodos falharam em trazer um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo para a região. A ausência de políticas públicas robustas perpetua o ciclo de exclusão e exploração, deixando a Amazônia em uma posição de promessa eterna não cumprida.

O apagamento da memória da Cabanagem é mais do que um descaso; foi uma estratégia deliberada das elites para evitar que o povo tomasse consciência de sua força e capacidade de transformação. A Cabanagem é um lembrete poderoso de que a organização popular pode desafiar estruturas de poder injustas e construir novas possibilidades. O esquecimento desse movimento é uma forma de neutralizar sua inspiração revolucionária.

A história oficial brasileira foi escrita pelos “vencedores”, que marginalizaram revoltas populares como a Cabanagem, retratando-as como caos ou barbaridade. Essa narrativa serviu para deslegitimar os movimentos e consolidar a ideia de que o povo não está apto a governar. Mas, como mostram os Cabanos, quando uma sociedade se organiza, ela pode transformar até mesmo as estruturas mais rígidas de opressão.

Relembrar a Cabanagem

Relembrar a Cabanagem em 2025 é também uma oportunidade de propor um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, rompendo com os resquícios do pacto colonialista que ainda a trata como mera fornecedora de riquezas. A Amazônia pode e deve ser uma referência global em desenvolvimento sustentável e tecnológico. Esse caminho, que imaginamos de uma “Nova Cabanagem”, passa pela tecnologia, pela valorização de sua biodiversidade e pela construção de uma indústria verde e sustentável.

Uma Amazônia integrada tecnologicamente seria capaz de aliar a preservação ambiental ao desenvolvimento econômico. A criação de polos de bioeconomia e tecnologia de ponta pode transformar a região em um centro de inovação global, aproveitando sua riqueza natural de forma responsável. O desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis ​​baseadas em produtos florestais não madeireiros, fármacos naturais e energias renováveis ​​criaria empregos e fortaleceria as comunidades locais.

Para que isso se torne realidade, os governos precisam atuar em várias frentes, desde a atração de investimentos para a indústria tecnológica até incentivos fiscais para projetos sustentáveis ​​são passos fundamentais. Além disso, é necessário investir em educação e qualificação profissional, formando uma nova geração de trabalhadores capacitados para lidar com tecnologias avançadas e inovadoras.

Pensar a Amazônia

Pensar a Amazônia como uma região integrada ao mundo hiperconectado é fundamental para sua emancipação. Inclusão tecnológica e comunicacional da Amazônia deve ser uma prioridade estratégica para promover o desenvolvimento humano e gerar renda a partir da ciência, tecnologia e comunicação. É preciso investir em infraestrutura digital que leve internet de qualidade às áreas mais remotas, permitindo que os jovens da região acessem as oportunidades educacionais, culturais e econômicas que o mundo digital oferece.

Desenvolver uma comunicação com recorte amazônico é igualmente importante. Isso significa criar narrativas que respeitem as especificidades culturais, sociais e ambientais da região, ao mesmo tempo que fortalecem a identidade local. A juventude amazônica pode ser protagonista de uma nova era de produção de conteúdo, empreendedorismo digital e inovação tecnológica, se equipada adequadamente por políticas públicas que incentivam a criação de startups, laboratórios de inovação e centros de pesquisa.

Capacitar os jovens para atuar no mercado de trabalho global em áreas como programação, design, produção audiovisual e marketing digital é essencial. Ao mesmo tempo, é fundamental promover iniciativas que utilizem uma tecnologia para valorizar os saberes tradicionais das comunidades indígenas e ribeirinhas, integrando esses conhecimentos ao desenvolvimento sustentável da região.

Pensar a Amazônia como protagonista de uma economia verde e tecnológica traz vantagens significativas. Primeiro, rompe-se com o modelo predatório que historicamente devastou a floresta e explorou sua população. Segundo, cria-se uma economia inclusiva, com oportunidades para as comunidades tradicionais e urbanas da região. Por fim, posicionar a Amazônia como peça-chave na luta contra as mudanças climáticas, reforçando sua importância estratégica para o mundo.

Essa transformação exige vontade política e engajamento de toda a sociedade. A nova Cabanagem não será construída com armas, mas com conhecimento, tecnologia e organização popular. É preciso que o povo da Amazônia seja o protagonista dessa mudança, retomando o espírito revolucionário dos cabanos e exigindo um futuro mais justo e sustentável.

Projeto de emancipação popular

A Cabanagem não foi apenas uma revolta. Foi um projeto de emancipação popular que, embora interrompido, mostrou que outro futuro é possível. Hoje, 190 anos depois, Belém continua sendo um território de disputa e resistência. Cabe a nós, como sociedade, honrar a memória dos cabanos na luta por uma Amazônia que pertença ao seu povo e que esteja no centro de um projeto nacional de desenvolvimento sustentável e inclusivo.

A Belém da insurgência deve resgatar esse espírito revolucionário e liderar o debate sobre o futuro da Amazônia. Relembrar a Cabanagem não é apenas um ato de justiça histórica, mas também uma proposta de transformação. Que a nova Cabanagem seja marcada pela união entre desenvolvimento tecnológico, preservação ambiental e justiça econômica e social. Assim, a Amazônia se tornará não apenas o “pulmão do mundo”, mas também lhe dará um coração mais humano, com o cérebro pronto para um futuro mais próspero.
Patrick Paraense, Diretor da Troika Marketing e autor do livro Esquerda Comunica.

Por Patrick Paraense
Diretor da Troika Marketing e autor do livro Esquerda Comunica.

 

Redação Revista Amazônia

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