Crédito: AESCOM/MCID
O Chamado de Belém, lançado durante a COP30, consolidou um novo marco global para a habitação sustentável e acessível. O documento, articulado no âmbito do Conselho Intergovernamental para Edificações e Clima (ICBC), elevou o tema ao centro da agenda climática ao reconhecer que a crise da moradia e a crise ambiental avançam de forma simultânea — e só terão solução se forem enfrentadas juntas. A reunião, presidida por Brasil, França e Quênia, reuniu mais de 60 países em Belém e simbolizou um consenso inédito: o setor de edificações precisa ser transformado para garantir não apenas casas, mas cidades capazes de suportar os impactos crescentes do clima.
O Brasil participou do encontro por meio do Ministério das Cidades, representado pelo ministro Jader Filho, que reforçou a relação direta entre desigualdade urbana e vulnerabilidade climática. Segundo ele, quando desastres ambientais se intensificam, são sempre as populações de menor renda que enfrentam as perdas mais profundas — e isso exige que o planejamento de políticas habitacionais inclua, desde o início, critérios de adaptação, resiliência e eficiência energética.
A dimensão global do desafio é clara: hoje, 2,8 bilhões de pessoas vivem em moradias inadequadas, e será necessário construir 96 mil novas casas por dia até 2030 apenas para suprir a demanda. Paralelamente, edificações já respondem por cerca de um terço do consumo mundial de energia e das emissões de gases de efeito estufa, enquanto enfrentam riscos cada vez mais severos, como calor extremo, enchentes e desastres climáticos de grande escala.
O ICBC é formado pelos governos que integram a Aliança Global para Edificações e Construção (GlobalABC), iniciativa ligada ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Criado após a Declaração de Chaillot, em 2024, o Conselho funciona como uma plataforma para trocar experiências, consolidar diretrizes e acompanhar o progresso das metas internacionais para descarbonizar o setor de edificações. Seu objetivo central é orientar países a planejar cidades com menor impacto climático e maior capacidade de adaptação.
Durante a reunião, a diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen, destacou que acessibilidade e sustentabilidade não podem mais ser tratadas como objetivos dissociados. Para ela, o setor de edificações pode se transformar em uma referência global de ação climática — tanto pela redução direta nas emissões quanto pelo papel social de garantir moradias dignas a bilhões de pessoas. Segundo Andersen, o Chamado de Belém oferece uma agenda concreta e viável para que os países avancem do discurso para a implementação.
SAIBA MAIS: COP30 em Belém: O Marco Zero da Implementação Climática
O documento propõe metas escalonadas até 2030 e 2035. O primeiro conjunto de compromissos define que, até o fim desta década, os países devem integrar ação climática às políticas habitacionais nacionais, estabelecer uma Aliança de Financiamento para Habitação Sustentável e Acessível com bancos multilaterais e instituições internacionais, e destinar fluxos de Assistência Oficial ao Desenvolvimento especificamente para programas habitacionais resilientes.
Para 2035, o texto recomenda que todos os signatários alinhem suas políticas de habitação aos princípios da Declaração de Chaillot, priorizando construções eficientes, de baixa emissão e adaptadas às realidades regionais. O documento também incentiva que países proíbam edificações em zonas suscetíveis a riscos climáticos sem medidas adequadas de proteção — uma necessidade urgente, considerando que mais de 1,12 bilhão de pessoas vivem hoje em áreas altamente vulneráveis.
Representantes de países-chave reforçaram a importância política do Chamado de Belém. Benoît Faraco, embaixador da França para negociações climáticas, afirmou que o documento oferece ferramentas concretas para que os países cumpram suas NDCs — as contribuições nacionalmente determinadas no âmbito do Acordo de Paris. Para ele, a nova agenda representa o início de uma fase de implementação profunda, que deixa para trás a lógica de compromissos genéricos.
Já Alice Wahome, representante do Ministério de Terras, Obras Públicas, Habitação e Desenvolvimento Urbano do Quênia, lembrou que, para o Sul Global, é essencial que a transição climática não agrave desigualdades estruturais. Segundo ela, o Chamado de Belém reforça que adaptação climática deve caminhar ao lado da acessibilidade e da expansão de serviços básicos.
A reunião também resultou na adoção de instrumentos adicionais para acelerar a descarbonização das edificações. Entre eles, o Marco Global de Ação para Compras Públicas Sustentáveis — uma diretriz estratégica para usar o poder de compra dos governos como indutor de inovação e sustentabilidade. Outro elemento destacado foi o endosso aos Princípios para Construção Responsável em Madeira, que estimulam materiais de base biológica e práticas circulares.
Ao final, consolidou-se uma visão compartilhada: o futuro das cidades depende de um novo modelo de desenvolvimento urbano capaz de reduzir emissões, ampliar o acesso à moradia e oferecer resiliência diante de um clima cada vez mais imprevisível. O Chamado de Belém inaugura esse caminho ao estabelecer metas concretas e mobilizar governos, bancos multilaterais e organismos internacionais para agir agora — e não apenas planejar o futuro.
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