Saúde

Chikungunya ocasiona ataque a múltiplos órgãos e desequilíbrio imune

 

O vírus chikungunya, transmitido pelos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, é responsável por mais de 900 mortes no Brasil desde sua chegada ao país há cerca de uma década. Este vírus tem a capacidade de se disseminar pelo sangue, atacar vários órgãos e atravessar a barreira hematoencefálica, que protege o sistema nervoso central. Esses mecanismos de ação foram observados pela primeira vez em casos fatais por um grupo de pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Reino Unido. Os resultados foram publicados na revista Cell Host & Microbe, reforçando a necessidade de atualizar os protocolos de tratamento e vigilância.

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Com mais de 10 milhões de casos registrados em cerca de 125 países nos últimos 20 anos, sendo 2 milhões apenas no Brasil, onde é endêmica há mais de uma década, a doença causada pelo vírus chikungunya (CHIKV) ainda é erroneamente considerada menos mortal do que a dengue. Para ajudar a desmistificar essa ideia, pesquisadores de várias universidades e do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen) realizaram a análise mais completa sobre o tema até o momento.

O estudo, financiado pela FAPESP, analisou dados de 32 pacientes que morreram. Foram incluídos resultados de testes para a presença de CHIKV no organismo, informações laboratoriais e de autópsia. Em amostras de soro sanguíneo, líquido cefalorraquidiano e outros tecidos (como cérebro, coração, fígado, baço e rins), foram realizados exames de histopatologia, quantificação de citocinas, metabolômica, proteômica e análises genômicas virais, além de reações em cadeia da polimerase por transcrição reversa em tempo real (RT-qPCR).

Para fins de comparação, os cientistas também avaliaram amostras e exames de outros dois grupos, sendo um composto por 39 sobreviventes de infecção aguda por CHIKV e outro por 15 doadores de sangue (adultos sem nenhuma infecção e presumivelmente saudáveis).

Um dos achados que mais chamaram a atenção dos pesquisadores foi a presença do CHIKV em amostras de líquido cefalorraquidiano, indicando sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, uma camada física que protege o sistema nervoso central e normalmente impede a entrada de patógenos.

Segundo o artigo, essa “invasão” ocorre por meio de dois mecanismos: no primeiro, o vírus infecta monócitos CD14+CD16+ e, na presença de altos níveis de CCL-2, migra através da barreira e é transportado para o cérebro; no segundo, a infecção afeta proteínas importantes para manter unidas as células epiteliais da barreira hematoencefálica.

“No sangue, observamos uma alteração severa na cascata de coagulação, com a diminuição de algumas proteínas-chave, bem como danos hemodinâmicos nos órgãos, ou seja, excesso de líquidos. No sistema imune, os níveis de citocinas associadas à inflamação se mostraram maiores que os observados em pacientes com chikungunya que sobreviveram”, explica William Marciel de Souza, professor na University of Kentucky (Estados Unidos) e primeiro autor do estudo.

Compreender os mecanismos biológicos de qualquer doença contribui para o desenvolvimento de tratamentos eficazes, biomarcadores prognósticos e estratégias de manejo clínico. De acordo com os pesquisadores envolvidos no trabalho, isso é fundamental no caso do chikungunya por dois motivos:

“Ainda não existem programas de imunização em grande escala – a primeira vacina contra o vírus foi aprovada pela Food and Drug Administration [órgão norte-americano de vigilância sanitária] em novembro do ano passado – e os surtos devem continuar seguindo o mesmo padrão no Brasil, ou seja, afetando muitas pessoas de uma vez, porém, em pequenos bolsões geográficos”, avalia José Luiz Proença Módena, professor do Instituto de Biologia da Unicamp. “As equipes de saúde pública precisam estar preparadas para isso, inclusive com vigilância genômica, sorológica e em porta de UTI [unidade de terapia intensiva].”

“Além disso, quadros de insuficiência cardíaca e neurológicos não são tradicionalmente associados à doença, mas, em uma fração da população acometida por esse vírus, isso pode ocorrer e deixar sequelas ou até mesmo levar à morte”, completa Souza.

A pesquisa também recebeu apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Bill & Melinda Gates, do Global Virus Network, Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), National Institutes of Health (NIH), Burroughs Wellcome Fund e Wellcome Trust.

O artigo Pathophysiology of chikungunya virus infection associated with fatal outcomes pode ser lido em: www.cell.com/cell-host-microbe/fulltext/S1931-3128(24)00054-4.

Redação Revista Amazônia

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