Economia

Artesanato florestal no Pará transforma saberes tradicionais em bioeconomia sustentável

Na região nordeste do Pará, um projeto sustentável inovador vem ressignificando a relação entre floresta e economia local. Cipós, frutos, sementes e madeiras que antes eram vistos apenas como insumos naturais hoje ganham forma em peças artesanais de alto valor cultural e econômico, produzidas por comunidades que transformam tradição em renda e sustentabilidade. A iniciativa, realizada no município de Igarapé-Açu, envolve diretamente 20 famílias de artesãos e se tornou um exemplo de como a bioeconomia pode fortalecer o desenvolvimento regional.

O trabalho é coordenado pelo professor Luiz Fernandes Silva Dionísio, docente da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra). Ele conduz o projeto Manejo de cipós em florestas secundárias: estratégias para o desenvolvimento comunitário, conservação e sustentabilidade de recursos naturais no município de Igarapé-Açu, que articula ciência, inclusão social e valorização de saberes tradicionais.

Segundo o pesquisador, a proposta vai além da produção artesanal. O objetivo é ampliar as oportunidades de trabalho, estimular o empreendedorismo comunitário e, ao mesmo tempo, preservar a floresta em pé. O artesanato surge como resultado de práticas sustentáveis que respeitam os limites da natureza, equilibrando o uso de recursos não madeireiros com a conservação da biodiversidade.

Divulgação – Fapespa

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O projeto ganhou apoio da Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (Fapespa), que financia pesquisas estratégicas para o fortalecimento da economia amazônica. A parceria foi reforçada pelo envolvimento do Centro de Referência em Tecnologias Agropecuárias e Florestais Sustentáveis, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), representado pelo pesquisador Gustavo Schwartz. Essa união de instituições acadêmicas, científicas e governamentais amplia a capacidade do projeto em unir inovação tecnológica, inclusão social e valorização cultural.

Para Luiz Dionísio, o apoio da Fapespa não se limita ao financiamento, mas expressa um compromisso com a transformação social: “Trata-se de um investimento que promove a inovação, valoriza o conhecimento tradicional e constrói caminhos sustentáveis para a Amazônia”.

Esse esforço coletivo deu origem a um projeto considerado “guarda-chuva”, expressão acadêmica para iniciativas que reúnem diferentes pesquisas e atividades interligadas. No caso de Igarapé-Açu, o manejo sustentável dos cipós orienta uma série de ações que podem desdobrar-se em novas investigações, dissertações e programas sociais, sempre com foco no equilíbrio entre floresta e comunidade.

As primeiras etapas incluíram saídas de campo para inventariar espécies de cipós e classificar seus usos. Esse levantamento científico permitiu direcionar a coleta de insumos de forma controlada e sustentável, evitando práticas predatórias. Paralelamente, famílias beneficiadas receberam treinamento sobre técnicas adequadas de manejo, aprendendo a conciliar produtividade com conservação.

Esse cuidado é essencial diante da prática tradicional de extração vegetal, que muitas vezes ocorre de maneira predatória. Quando realizada de forma sustentável, a coleta contribui para manter a cobertura vegetal nativa, proteger ecossistemas e regular o clima. Mas quando feita sem manejo, ameaça o equilíbrio ambiental. O projeto busca justamente mostrar que há caminhos para transformar essa atividade em um motor de desenvolvimento sem comprometer o futuro da floresta.

Um diálogo pela Sustentabilidade

A iniciativa dialoga diretamente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 12, que trata de consumo e produção responsáveis. Para o presidente da Fapespa, Marcel Botelho, esse é um exemplo claro de como ciência e conhecimento tradicional podem caminhar lado a lado: “A valorização da cultura local e a manutenção da floresta viva estão intimamente ligadas à pesquisa científica e ao desenvolvimento socioeconômico”.

Os próximos passos do projeto incluem novas etapas de capacitação. Nos meses seguintes, será ofertado um curso voltado ao aprimoramento das técnicas de design em artesanato, agregando valor estético e comercial às peças. Em dezembro, a previsão é realizar uma formação em modelagem de negócios de impacto socioambiental, preparando artesãos para transformar sua produção em empreendimentos sólidos e competitivos.

Mais do que estimular a renda, essas ações reforçam o protagonismo das comunidades e ampliam o mercado para produtos da floresta. O impacto vai além da economia: fortalece a identidade cultural, estimula a inclusão social e promove a conservação da biodiversidade amazônica.

Em um cenário em que a pressão sobre os recursos naturais é constante, o projeto de Igarapé-Açu mostra que é possível criar alternativas sustentáveis, que unem tradição, ciência e inovação. A floresta, vista não como obstáculo ao progresso, mas como aliada estratégica, se transforma em fonte de vida, cultura e desenvolvimento para a Amazônia.

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