COP 30

COP das Baixadas leva o debate climático às periferias do Pará

A COP das Baixadas nasceu para enfrentar um paradoxo que atravessa o debate climático: quem mais sente os efeitos das mudanças do clima é, muitas vezes, quem menos participa das conversas que definem políticas globais. Em Belém, durante a realização da COP30, coletivos periféricos decidiram transformar essa ausência histórica em mobilização concreta, criando um espaço paralelo que conecta o cotidiano das favelas, bairros populares e territórios tradicionais à agenda internacional do clima.

A iniciativa articula diferentes organizações comunitárias com o objetivo de aproximar o debate de quem vive a realidade das enchentes, do calor extremo, da precariedade do saneamento e do racismo ambiental. A proposta é simples e poderosa: se o impacto das mudanças climáticas começa nas bordas das cidades, a formulação das soluções também precisa emergir desses territórios.

Nesse contexto, Guydo Kithara e Jean Ferreira, conhecido como Jean do Gueto, fundadores do Gueto Hub, tornaram-se algumas das vozes mais influentes da articulação. O espaço, dedicado há anos à formação sociocultural no bairro Jurunas, funciona como biblioteca comunitária, galeria e ponto de encontro para jovens e lideranças locais. Situado às margens do Rio Guamá, o Jurunas é um microcosmo das desigualdades urbanas amazônicas — e, justamente por isso, símbolo da urgência climática.

Para amplificar esse debate, a COP das Baixadas criou as Yellow Zones, áreas paralelas inspiradas na estrutura oficial da ONU, que divide a conferência em Blue Zone e Green Zone. A escolha do amarelo, que completa as cores da bandeira brasileira, reforça a mensagem de identidade e protagonismo juvenil. Mais do que ocupar simbolicamente esse espaço, as Yellow Zones afirmam que políticas climáticas só fazem sentido quando dialogam com quem vive no território.

Tânia Rêgo/Agência Brasil

SAIBA MAIS: Yellow Zones ampliam debate climático nas baixadas

A iniciativa se espalhou por oito pontos da região metropolitana de Belém — incluindo Ananindeua, Icoaraci e Castanhal —, todos com programações que misturam arte, formação política, oficinas ambientais, debates, celebrações e práticas tradicionais. A mobilização acompanha todo o período da COP30 e se encerra com um grande ato comunitário em defesa da vida e dos territórios.

Entre os espaços ativados está o EcoAmazônias, uma Yellow Zone coordenada pelo Instituto Negrytar. Sua gestora, a cineasta e comunicadora Joyce Cursino, resume o espírito da mobilização: a comunidade já tem diagnósticos, já conhece as dores do território e já ensaia soluções concretas. O que falta é ouvi-la de forma estruturada. Nas últimas semanas, o EcoAmazônias promoveu encontro de parteiras, oficinas de bioconstrução para crianças, plantio de hortas comunitárias e rodas de conversa sobre racismo ambiental — tudo com forte participação da população local.

A presença de mães, jovens e antigos líderes comunitários reforça que a luta ambiental não é tema distante. No Gueto Hub, Jeane Ferreira — mãe de Guydo e Jean — revive o início da biblioteca comunitária e recorda as décadas em que o bairro convivia com valas abertas, enchentes e precariedade urbana. Para ela, a COP das Baixadas é continuidade de uma longa tradição de resistência: a luta popular que conquistou pavimentação, obras de drenagem e melhorias básicas.

Tânia Rêgo/Agência Brasil

A mobilização também abre espaço para encontros culturais inesperados, como a presença do músico paraibano Renato do Pife, que ministrou oficinas de fabricação de pífanos com canos de PVC reciclado. Entre tintas, instrumentos e conversas, ele explica que o pife é um instrumento democrático, acessível e potente — metáfora perfeita para o espírito da COP das Baixadas, que faz da criatividade e da cultura ferramentas de educação ambiental.

Ao transformar ruas, becos, bibliotecas e centros culturais em arenas climáticas, a COP das Baixadas rompe com a lógica de que debates globais pertencem apenas a especialistas ou negociadores diplomáticos. Ela devolve à periferia a centralidade que lhe é devida — não por carência, mas por conhecimento e potência própria.

A iniciativa também desafia a COP oficial a reconhecer que a transição ecológica não será justa se ignorar os territórios onde a desigualdade climática já é real. Os participantes enfatizam que o combate ao aquecimento global precisa considerar as múltiplas formas de saber, desde a ciência acadêmica até práticas ancestrais, passando por soluções cotidianas inventadas nas periferias.

Ao final, a COP das Baixadas afirma uma narrativa decisiva: a Amazônia urbana é tão importante quanto as florestas, e suas comunidades não são receptoras passivas das políticas climáticas, mas autoras de caminhos possíveis. Em Belém, enquanto líderes globais negociam pactos, a periferia escreve seu próprio mapa de futuro — coletivo, criativo e profundamente enraizado no território.

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