COP 30

Quilombolas tomam a cena no Rio e reivindicam centralidade climática

O Rio de Janeiro se torna, neste 15 de novembro, o palco de um movimento raro, necessário e carregado de urgência: a primeira Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima. Enquanto as atenções globais se concentram em Belém, onde ocorre a COP30, lideranças quilombolas do estado do Rio e de outras regiões do país se reúnem na Fundição Progresso para reivindicar algo básico, porém historicamente negado — o direito a serem vistas, ouvidas e reconhecidas como protagonistas na proteção do território e na luta contra a crise climática.

O encontro, organizado pela Acquilerj e pela organização Koinonia, surge da constatação de que a agenda ambiental internacional ainda permanece marcada por assimetrias profundas. Questões centrais para os povos quilombolas, mesmo quando relacionadas diretamente à conservação da biodiversidade e ao enfrentamento dos impactos ambientais, raramente aparecem com peso equivalente às pautas de outros grupos tradicionais. Não por falta de contribuição, mas por falta de visibilidade.

Essa crítica é reforçada por Ana Gualberto, diretora executiva de Koinonia, que aponta para a estrutura de debates globais que tende a privilegiar narrativas ocidentais, técnicas e distanciadas da realidade vivida pelas comunidades negras tradicionais. Para ela, reconhecer o papel essencial de todas as comunidades tradicionais é mais que uma questão de justiça; é uma condição para compreender a complexidade do território brasileiro e sua biodiversidade, que se sustenta justamente na pluralidade de modos de vida.

Os números do Censo 2022 deixam clara a dimensão dessa presença: mais de 1,3 milhão de quilombolas vivem espalhados por 1,7 mil municípios brasileiros. No estado do Rio de Janeiro, embora apenas três territórios apareçam oficialmente titulados, a Acquilerj identifica 54 comunidades quilombolas consolidadas, somando cerca de 20 mil pessoas. A distância entre o reconhecimento formal e a realidade vivida simboliza o centro da reivindicação que move o encontro: sem território garantido, nenhum outro direito se sustenta.

Gilvani Scatolin/ISA/Direitos Re

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A titulação é a chave que abre ou fecha portas. É ela que permite o acesso regular à água potável, ao saneamento básico, a serviços de saúde e educação consistentes, e à preservação da memória e das práticas culturais que definem o modo de vida quilombola. Mas, acima de tudo, é a titulação que assegura a permanência no território frente às constantes pressões externas — das investidas de grandes empresas à especulação imobiliária que avança sobre áreas de preservação e zonas históricas. Sem esse reconhecimento, as comunidades seguem vulneráveis a processos de expulsão silenciosos, mas devastadores.

A Cúpula Quilombola nasce, portanto, como um gesto político e simbólico. Para a presidente da Acquilerj, Bia Nunes, o evento se tornou imprescindível diante da previsão de um esvaziamento da participação quilombola na COP30. O que poderia ser mais um momento de invisibilidade se transformou em oportunidade: criar um espaço próprio de fala, resistência e afirmação. Um lugar em que as vozes quilombolas não são convidadas eventuais, mas eixo central da discussão.

A expectativa dos organizadores é que as conclusões e mensagens do encontro atravessem a distância física até Belém e reverberem entre as autoridades reunidas na COP30. A defesa é direta: qualquer política climática séria no Brasil precisa reconhecer e fortalecer as comunidades quilombolas, que já desempenham um papel concreto na proteção de sua biodiversidade e na manutenção dos ecossistemas. Se hoje muitos desses territórios permanecem preservados, isso se deve justamente à atuação cotidiana dessas comunidades, que cuidam do ambiente enquanto enfrentam pressões externas e a persistente ausência de políticas públicas efetivas.

Ao reunir lideranças, pesquisadores, representantes da Defensoria Pública da União e o público interessado, a cúpula busca não apenas denunciar, mas produzir caminhos. Caminhos que articulem justiça climática, direitos territoriais e reconhecimento histórico. Caminhos que mostrem ao país que, sem a inclusão das vozes quilombolas, nenhum debate ambiental será verdadeiramente completo.

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