Fonte: Portal Ambiente Legal
O Brasil possui um litoral que se estende por mais de oito mil quilômetros. À sua frente, repousa uma vastidão oceânica que por décadas foi vista como paisagem, fronteira ou obstáculo. Hoje, ela se revela como um ativo econômico de valor imensurável, mas ainda não inteiramente compreendido. A chamada “economia do mar” desponta como uma força silenciosa, já presente, mas ainda não reconhecida com o devido peso nas decisões estratégicas do país.
Por definição, essa economia não se limita às atividades que dependem diretamente do mar como matéria-prima. Ela abarca também os setores que se desenvolvem nas adjacências costeiras: turismo, logística, construção naval, extração energética, defesa, serviços. E aqui está o ponto crucial: se considerada em sua plenitude, a economia do mar responde por algo em torno de 20% do Produto Interno Bruto brasileiro, segundo dados de 2015 e 2018. Em números absolutos, falamos de R$ 1,36 trilhão em Valor Adicionado Bruto em 2018. Uma cifra que supera as estimativas de muitos setores mais celebrados, como o agronegócio.
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Esse crescimento não é pontual. Entre 2015 e 2018, todos os indicadores da economia do mar subiram: o Valor Bruto da Produção saltou de R$ 1,99 trilhão para R$ 2,23 trilhões; o número de ocupações passou de 19,8 para 20,7 milhões; as remunerações cresceram de R$ 566 bilhões para R$ 675 bilhões. São números robustos, mas escondidos, por estarem pulverizados entre setores distintos das contas nacionais. A economia do mar é um gigante que opera à margem das estatísticas formais. E o que não se mede, não se prioriza.
Entre os setores dominantes, destacam-se os serviços (especialmente o turismo costeiro), a energia (notadamente o petróleo e gás do pré-sal) e a indústria naval. Em 2018, o setor de defesa superou a manufatura como terceiro maior contribuinte para o VAB, sinalizando a crescente militarização e vigilância da zona costeira. O turismo, por sua vez, se beneficia de um litoral de clima ameno durante todo o ano, com treze das setenta e seis regiões metropolitanas brasileiras situadas no litoral. Já o petróleo offshore, especialmente o pré-sal, foi responsável por um salto produtivo que impulsionou também a construção naval entre 2003 e 2012, graças a políticas públicas voltadas à autossuficiência energética.
No entanto, apesar desse potencial exuberante, a economia do mar ainda carece de reconhecimento institucional. Não existe, por exemplo, um setor econômico específico para o mar nas contas nacionais. Muitas de suas atividades estão registradas sob outras categorias, como a agropecuária. Essa imprecisão dificulta não apenas o planejamento, mas também a defesa política de um projeto estruturado para o litoral brasileiro.
A solução começa por mensurar corretamente essa economia. A criação do Grupo Técnico PIB do Mar, em 2020, foi um passo relevante, mas precisa ganhar ritmo e transparência. As chamadas “contas nacionais azuis” são fundamentais para dar visibilidade à contribuição do oceano e embasar políticas públicas que maximizem seus benefícios e minimizem seus impactos.
Mas contar não basta. É preciso planejar. O Planejamento Espacial Marinho (PEM) surge como ferramenta essencial nesse cenário. Trata-se de um processo que aloca espacialmente as atividades humanas no mar, considerando variáveis ecológicas, econômicas e sociais. Seu objetivo é prevenir conflitos de uso, garantir a segurança energética, proteger a biodiversidade e permitir o uso sustentável de um território dinâmico e interdependente. Num país com reservas gigantes de petróleo, cabos submarinos, zonas pesqueiras, parques eólicos offshore e rotas turísticas, esse tipo de organização é mais que desejável: é imprescindível.
A desmobilização de infraestruturas pesadas no mar, uma vez instaladas, é extremamente difícil. Por isso, avaliações preventivas são vitais. Sem esse cuidado, corremos o risco de repetir no oceano os mesmos erros cometidos em terra firme: exploração predatória, ocupação desordenada, exclusão social. O mar não pode ser mais um território de urgência sem política, de riqueza sem redistribuição.
No plano simbólico e estratégico, a economia do mar é o espelho líquido da dependência que o Brasil tem de sua geografia. Em 2018, se fosse um país, essa economia seria a segunda maior da América do Sul. E isso nos obriga a reconhecer que o mar é parte estruturante do nosso futuro. Não apenas como ativo econômico, mas como espaço de integração territorial, identidade cultural e desenvolvimento sustentável.
O oceano já é a sétima maior economia do mundo e pode dobrar de tamanho até 2030. O Brasil, com sua imensa Amazônia Azul, não pode mais ignorar esse movimento. A economia do mar é um gigante que pede contornos. Um corpo sem rosto, cuja força se percebe mas cuja forma ainda carece de nitidez. É hora de dar-lhe nome, medida e projeto. Só assim ele deixará de ser promessa e passará a ser presença. Sustentável, mensurável e estratégica. Como deve ser.
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