Enzima descoberta em solo de usina pode impulsionar produção de etanol sustentável

Em meio aos resíduos acumulados por décadas nos pátios de usinas de açúcar e álcool no interior de São Paulo, pesquisadores brasileiros descobriram uma enzima com potencial para revolucionar a produção de etanol de segunda geração.

Enzima CelOCE

A enzima, batizada de CelOCE (sigla em inglês para “enzima de quebra oxidativa da celulose”), foi identificada em uma bactéria que vive no solo constantemente exposto ao bagaço de cana.

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Essa bactéria, de um filo ainda não classificado e conhecido como UBP4, produz naturalmente a enzima capaz de quebrar a celulose em glicose, facilitando sua fermentação e transformando um dos maiores obstáculos da produção de etanol celulósico em oportunidade.

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Enzima CelOCE encontrada em bagaços de ecana-de-açúcar junto ao solo

Transformando resíduo em recurso: o potencial da CelOCE

A celulose, um carboidrato complexo que compõe a parede celular das plantas, é altamente resistente e difícil de ser convertida em açúcares fermentáveis. No entanto, essa resistência é justamente o que torna a CelOCE tão importante: a enzima atua acelerando esse processo, convertendo a celulose em moléculas menores de glicose, que são fermentadas com facilidade para a produção de etanol.

A descoberta foi liderada por pesquisadores do Laboratório Nacional de Biorrenováveis (LNBR), unidade do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas (SP), e publicada em fevereiro de 2025 na revista científica Nature. O projeto contou com apoio da FAPESP e a colaboração de universidades brasileiras e europeias.

Engenharia genética e luz síncroton: inovação tecnológica a serviço da bioenergia

Para tornar a descoberta aplicável, os cientistas realizaram a clonagem do gene que codifica a CelOCE e o inseriram no fungo Trichoderma reesei, já amplamente utilizado na indústria para produção de enzimas. Com a técnica de edição genética Crispr-Cas9, o fungo passou a produzir a CelOCE juntamente com outras enzimas comuns no coquetel enzimático que degrada a celulose nas biorrefinarias.

“Mostramos que há microrganismos na natureza capazes de explorar a química redox de maneira altamente eficaz para quebrar a celulose”, explica Mario Murakami, diretor científico do LNBR e coordenador do projeto.

Um dos momentos mais marcantes do estudo, segundo os pesquisadores, foi a resolução da estrutura cristalográfica da CelOCE, feita com o auxílio do acelerador de partículas Sirius, a maior infraestrutura científica do Brasil. Essa etapa revelou características únicas da enzima, como um sítio ativo compacto e uma forma peculiar de se ligar à celulose, o que pode explicar sua eficiência.

Avanço elogiado por especialistas e com aplicação industrial em vista

A relevância da pesquisa foi reconhecida por especialistas da área. O físico Igor Polikarpov, do Instituto de Física de São Carlos (USP), elogiou o trabalho: “A CelOCE tem grande valor para a hidrólise enzimática da biomassa. Pode ser decisiva para baratear e acelerar a produção de etanol de segunda geração.”

Já o botânico Marcos Buckeridge, do Instituto de Biociências da USP, destacou o rigor técnico do estudo. “Eles utilizaram o que há de mais avançado em pesquisa. O artigo é de altíssimo nível”, comentou.

O LNBR já iniciou negociações com duas empresas interessadas em licenciar a tecnologia. A expectativa é que a CelOCE venha a ser incorporada aos processos industriais, aumentando o rendimento e a viabilidade econômica do etanol celulósico — uma das principais apostas para a transição energética e redução das emissões de carbono no setor de transportes.

Etanol de segunda geração: o futuro sustentável da energia renovável

Diferente do etanol convencional, produzido a partir do caldo da cana, o etanol de segunda geração utiliza resíduos como palha e bagaço, aproveitando uma fração maior da planta e diminuindo a necessidade de novas áreas agrícolas. No entanto, o alto custo e a complexidade dos processos enzimáticos ainda são entraves para sua ampla adoção.

Com a descoberta da CelOCE, abre-se uma nova possibilidade para tornar esse tipo de biocombustível mais eficiente, sustentável e competitivo. A enzima pode reduzir custos de produção, acelerar o tempo de processamento e aumentar a conversão da biomassa em combustível.

Ao transformar resíduos acumulados em energia limpa, a pesquisa não apenas representa um avanço científico, mas também reforça o papel da biotecnologia nacional no enfrentamento das mudanças climáticas e na construção de um futuro energético mais justo e ecológico.


Redação Revista Amazônia

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