Uma nova fronteira de financiamento climático se abre para os estados da Amazônia Legal: a implementação do mecanismo de REDD+ jurisdicional (JREDD+) pode gerar entre US$ 10 bilhões e US$ 20 bilhões em receitas até 2030, com base na redução das emissões de desmatamento e degradação florestal nos territórios estaduais. Essa estimativa, elaborada pelo Earth Innovation Institute em colaboração com programas de conservação no Brasil e em outros países tropicais, projeta que alguns estados já poderão emitir 100 milhões de créditos até 2026 e angariar cerca de US$ 1,5 bilhão, o valor que supera o montante total recebido pelo Fundo Amazônia em doações desde 2008 (aproximadamente US$ 1,4 bilhão).
O conceito de JREDD+ é uma extensão do mecanismo internacional REDD+: “Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal”, que inclui conservação, manejo sustentável e aumento de estoques de carbono florestal. Enquanto o REDD+ tradicional opera a partir de projetos locais ou nacionais, o JREDD+ mede reduções e emite créditos em âmbito estadual ou jurisdicional, consolidando esforços territoriais e facilitando a escala. (ou subnacional) se beneficie de compensações por resultados coletivos de conservação — o que pode dar mais previsibilidade, alinhamento entre políticas públicas e crédito de carbono, e evitar fragmentações setoriais.
No Tocantins, o Estado já deu passos decisivos: estruturou seu programa JREDD+ em 2023, lançou edital para parceria privada, e firmou acordo com a trader suíça Mercuria Energy Group, por meio de seu fundo Silvania. Esse parceiro comprometeu-se a aportar R$ 20 milhões e a adquirir os créditos que vierem a ser emitidos nos próximos anos. Projeta-se que o Tocantins possa gerar 50 milhões de créditos até 2030, o que estaria associado a uma receita superior a R$ 2,5 bilhões.
Além disso, o Tocantins conquistou um marco técnico: tornou-se a primeira jurisdição subnacional do mundo a ter seu documento TREES aceito pela ART (Architecture for REDD+ Transactions), abrindo caminho para certificação e emissão formal dos créditos.
No Acre, o programa jurisdicional também avançou. O estado já firmou acordo com o banco Standard Chartered para negociação de seus créditos por um período de cinco anos. O Acre já vinha operando desde meados da década de 2010 em programas piloto de remuneração por serviços ambientais. Agora, estabelece uma linha de base para comparações entre 2023 e 2027, e pretende reduzir seu desmatamento em 50 % no período — já tendo alcançado 25 % na primeira fase. Estima-se que o Acre possa emitir entre 30 e 50 milhões de créditos até 2030.
Esses estados apostam que os recursos gerados em JREDD+ não fiquem apenas em mecanismos de comando e controle, mas possam integrar políticas públicas estaduais, alimentando um ciclo virtuoso de conservação e desenvolvimento sustentável.
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Outros estados da Amazônia Legal já estão em diferentes etapas de estruturação de seus programas jurisdicionais. Segundo análise recente, seis estados brasileiros estão trabalhando com o padrão ART/TREES para seus programas subnacionais de JREDD+. O Pará negocia mercado de compradores e mecanismos de consentimento com comunidades. Mato Grosso conta com apoio técnico do Earth Innovation Institute e parceiros privados. Outros estados demonstram interesse e traçam seus projetos conceituais.
No estado do Piauí, por exemplo, iniciou-se parceria com a Silvania e a empresa técnica Systemica para lançar seu programa jurisdicional. A expectativa é emitir 20 milhões de créditos até 2030, caso se alcance uma redução de 10 % nas emissões por desmatamento e degradação.
Esses avanços fazem parte da campanha Race to Belém, que busca escalar programas jurisdicionais no Brasil por meio de apoio de capitais privados e instituições de conservação.
Se bem executado, o JREDD+ pode transformar o perfil de financiamento da conservação ambiental nos estados amazônicos. Ele introduz um novo vetor de recursos além das doações tradicionais, promovendo autonomia orçamentária e legitimidade econômica aos governantes estaduais comprometidos com a proteção florestal.
Porém, os desafios são amplos:
Lineamento técnico: definir linhas de base confiáveis, auditorias independentes e mecanismos rigorosos de mensuração, relato e verificação (MRV) é essencial para garantir credibilidade.
Compartilhamento de benefícios: na estruturação dos programas, mais de 50 oficinas públicas já foram realizadas nos estados para definir como os recursos da venda de créditos serão distribuídos entre comunidades, municípios e políticas públicas.
Salvaguardas sociais e ambientais: os programas JREDD+ devem respeitar as salvaguardas de Cancún (incluindo direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais, participação, transparência e prevenção de “vazamentos” de desmatamento para outras áreas). Fundo Amazônia
Risco regulatório e institucional: a estabilidade normativa e a coerência entre políticas federais e estaduais são fundamentais.
Dependência de mercado: os créditos só gerarão receita se houver demanda ambiental internacional ou mecanismos nacionais que valorizem a compensação florestal.
Politicamente, o JREDD+ exige que cada estado “faça seu dever de casa” — ou seja, cumpra metas, monitore florestas e garanta integridade ambiental — para atrair compradores e credibilidade. Com isso, a lógica de pagamento passa de “evitar que alguém derrube” para “remunerar quem preserva”.
A capitalização de até US$ 20 bilhões em receitas por meio de JREDD+ representa uma virada estratégica para os estados da Amazônia. É uma aposta nos mercados climáticos, na governança estadual e no protagonismo florestal. Se o Brasil, até a COP30, reforçar mecanismos técnicos e institucionais, o programa poderá se tornar referência global de como floresta preservada gera valor — para o estado, para as comunidades e para o clima planetário.
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