Juliette Marty, Soline Urvoy de Portzamparc e Audrey Kieny, alunas de MBA da Audencia Business School
Estudantes da Audencia Business School, uma das escolas de negócios mais prestigiosas da França, escolheram Belém para realizar o próprio semestre acadêmico internacional. Parte fundamental do currículo acadêmico desses alunos de MBA é “sair da bolha” e estudar nos campi colaborativos que a Audencia tem pelo mundo. E muitos felizmente escolheram a Amazônia, onde a Audencia tem uma parceria estratégica com o Centro Universitário do Pará (Cesupa).
Enquanto viveram o semestre de imersão amazônica junto com os alunos do Cesupa, elas estudaram temas diversificados, voltados para negócios de impacto social e ambiental. Entre aulas no campus de Belém e visitas às ilhas de Cotijuba e do Combu, os alunos tiveram o desafio de criar modelos de negócio sustentáveis a partir dos recursos da floresta e stakeholders locais. As propostas, desenvolvidas como parte de uma avaliação acadêmica, buscaram imaginar novas formas de se relacionar com a Amazônia e todos os seus stakeholders.
Estar próximo da natureza, aprender um idioma diferente e mergulhar em uma realidade repleta de novas paisagens foram alguns dos motivos que levaram os jovens da Audencia a escolherem Belém como destino. Para Juliette, a capital paraense é um ponto estratégico quando se fala em sustentabilidade global. Soline compartilha da mesma visão e destaca o papel da cidade nas discussões ambientais. “O mundo dos negócios está mudando e enfrentando novos desafios, especialmente ligados a questões ambientais, e acho que Belém está bem no centro disso tudo”, afirmou.
Trocar o frio do inverno europeu por uma imersão cultural no coração da Amazônia foi mais que uma mudança de clima — foi uma virada de chave na forma de enxergar o mundo. “Queria descobrir algo que desafiasse minha forma de pensar e revelasse novos aspectos da vida em geral”, contou Soline. Ao refletir sobre os ensinamentos absorvidos na experiência, Audrey completa: “Estou feliz por conhecer a cultura amazônica, os saberes e o modo como as pessoas pensam aqui, que é bem diferente do nosso”..
Para as três estudantes francesas com quem conversamos, o principal aprendizado do semestre acadêmico no Brasil foi entender que a Amazônia vai muito além das árvores e dos rios. É uma região viva, habitada por uma diversidade de pessoas – das que vivem nos centros urbanos aos povos originários – que também precisam ser vistas e respeitadas. Para Soline, essa dimensão humana quase nunca está presente nos discursos globais ou na educação sobre a região. “Precisamos preservar a natureza, preservar o patrimônio mas também precisamos desenvolver as pessoas que vivem aqui”.
Audrey Kieny reforça essa mudança de perspectiva ao refletir sobre a convivência com os povos locais e o contato com os empreendimentos criados por eles. “Sempre pensava na Amazônia como uma floresta com muita diversidade, muitos animais – só natureza. Nunca pensava nas comunidades que vivem dentro dela. Elas não são tão isoladas quanto poderíamos pensar. Estão realizando muitas coisas aqui”….
A vivência na Amazônia também transformou a forma como os participantes do programa acadêmico compreendem a sustentabilidade, revelando que não há soluções universais: tudo depende do território e das relações que se constroem nele. Audrey percebeu que, ao contrário da França, onde o tema costuma ser tratado de maneira mais teórica e normativa, na Amazônia ele se revela por meio das relações com produtores, empreendedores e comunidades locais, assim como pela busca constante de entender e dialogar com esses grupos.
Juliette passou a enxergar o conceito para além da preservação do verde e de reduzir a emissão de poluentes. Ela acredita que a sustentabilidade deve equilibrar o meio ambiente, a preservação de objetivos econômicos e as condições de vida das pessoas. Para a estudante, a Amazônia tem um equilíbrio muito diferente do europeu, sendo uma “mistura única”.
Entre os encantos que mais marcaram a estadia dos alunos em Belém, o acolhimento das pessoas ocupa o primeiro lugar. Para elas, a receptividade dos paraenses transformou completamente a experiência de viver em outro país. Audrey afirma que “as pessoas são a força da cidade”, ressaltando como os belenenses sempre fazem questão de ajudar, mesmo com a barreira do idioma.
Juliette também se sentiu tocada pela generosidade local: “Elas nos dão conselhos, querem que a gente descubra Belém da melhor maneira e que sejamos felizes aqui”. Além disso, todas ficaram encantadas com a culinária paraense. “Descobrimos sabores que nunca havíamos experimentado antes, a comida aqui é muito diferente do que conhecíamos. Agora estou obcecada por algumas e não sei como vou sobreviver sem elas”, diz Soline, entre risos. Para Juliette, a fama da gastronomia local é mais do que merecida: “Agora entendemos o porquê da gastronomia do Pará ser conhecida no Brasil e no mundo inteiro”.
Como início do semestre acadêmico, os alunos da Audencia e Cesupa participaram de uma imersão na Ilha do Combu. No roteiro, visitas ao Ygara, AME, Boá na Ilha e Filha do Combu proporcionaram momentos de conexão com saberes tradicionais e a oportunidade de conhecer, na prática, a riqueza da cultura amazônica e os caminhos sustentáveis da bioeconomia local.
Em outro momento da programação, as alunas estiveram na Ilha de Cotijuba, onde percorreram a rota da borracha e mergulharam no universo da produção de biojoias sustentáveis com a Da Tribu.
A experiência começou com uma trilha pelo seringal da Praia da Flexeira, acompanhando o processo de extração do látex. Em seguida, conheceram a história da marca e os métodos de produção artesanal, encerrando o dia com uma oficina prática de criação de joias naturais.
As visitas às ilhas de Cotijuba e do Combu também renderam impressões fortes e novos aprendizados sobre a vida amazônica. Soline destacou as diferenças visíveis entre as duas ilhas e como elas revelam contrastes importantes com o ambiente urbano da capital. “A diferença de desenvolvimento é enorme. E você pensa: como fazer essas pessoas trabalharem juntas? Isso é algo muito novo e um verdadeiro desafio que descobrimos aqui”, reforçando que a Amazônia é feita de múltiplas realidades que coexistem lado a lado.
A partir de experiências locais, os estudantes desenvolveram propostas criativas de negócios sustentáveis que buscam imaginar novas formas de se relacionar com o território amazônico. Os trabalhos foram apresentados em um seminário no Cesupa – Campus Alcindo Cacela I (Argo), que contou também com a presença de empreendedores da região.
Mesmo que ainda estejam no campo das ideias e sejam, por enquanto, projetos potenciais, essas iniciativas combinam propósito com impacto real. Além de trazerem soluções inovadoras, os estudantes refletiram sobre as chances de concretização dessas propostas no futuro e sobre como elas podem servir de inspiração para que outras pessoas da região criem algo semelhante.
Soline desenvolve um projeto que busca ressignificar a moda a partir da Amazônia. Amawá Fashion é uma marca idealizada por ela com o propósito de unir técnicas ancestrais de comunidades tradicionais, como o bordado Kené e a cerâmica Marajoara, a práticas sustentáveis de produção. Em colaboração com artesãos locais, a ideia é criar peças como roupas, acessórios e itens de decoração, além de reinvestir os lucros no desenvolvimento comunitário.
Com um modelo de negócio baseado em coleções cápsula, Amawá — nome que significa “o povo da floresta” — aposta na inovação de materiais amazônicos, priorizando o baixo impacto ambiental. Os produtos são feitos para durar, não geram desperdício e consomem menos recursos naturais, como água.
Inserida em um mercado em crescimento — o da moda ética, avaliado em US$ 8,25 bilhões com projeção de chegar a US$ 11,1 bilhões até 2027 — a marca atende um público jovem, consciente e conectado a causas sociais. Cerca de 75% da Geração Z já demonstra preferência por marcas sustentáveis, sinalizando uma demanda crescente por iniciativas como a da Amawá.
“A ideia principal é promover e preservar o patrimônio da Amazônia, tornando-o mais fashion e mais usável pelas pessoas – algo que elas possam vestir com orgulho, representando a cultura amazônica”, diz Soline.
A estudante reconhece que a escassez de histórias indígenas na mídia global e a exclusão de comunidades amazônicas de grandes mercados são desafios na economia da região, e acredita que empreendimento como estes podem contribuir para superá-los. Outro obstáculo a ser contornado é a logística no território amazônico: as longas distâncias e estradas em condições ruins encarecem o processo e complicam o acesso a insumos, tornando mais difícil encontrar soluções sustentáveis.
Como uma alternativa para enfrentar esses desafios e incorporar a sustentabilidade de maneira sólida no projeto, a estudante quer ir além do uso de materiais ecológicos. A proposta é investir em pesquisa e desenvolvimento para encontrar matérias-primas específicas da floresta, trabalhando com pessoas locais que conhecem profundamente os ciclos naturais, o clima e os modos tradicionais de produção. Na visão dela, esse é o caminho mais lógico: “produzir algo sustentável junto com quem vive e conhece a região”. Além disso, o projeto inclui a criação de programas de capacitação para os colaboradores.
Em um cenário em que roupas sustentáveis muitas vezes não seguem tendências nem são vistas como estilosas, Soline acredita no potencial da Amawá. O projeto combina moda e compromisso socioambiental — algo cada vez mais valorizado pelos jovens consumidores.
“Meu projeto une diferentes aspectos que atraem o público jovem – algo moderno, fácil de usar e, ao mesmo tempo, sustentável. Isso é raro e difícil de alcançar, mas acho que meu produto consegue equilibrar essas duas coisas”, conclui.
Já o Amazon by you, projeto de Audrey consiste em uma marca de cosméticos eco-friendly que investe no poder dos ingredientes amazônicos para criar produtos de cuidados com a pele sustentáveis e éticos. Comprometido com o comércio justo e a valorização das comunidades locais, a iniciativa promove a colheita responsável para proteger a biodiversidade e respeita o saber tradicional dos povos da floresta.
Nesse cenário, o consumidor pode escolher um ingrediente amazônico, como cupuaçu ou andiroba, selecionar embalagens recicladas feitas de sementes de açaí e ainda personalizar o aroma do produto, unindo beleza, consciência ambiental e conexão cultural. “A proposta é permitir que as pessoas escolham o que aplicar na própria pele e em seus cuidados pessoais – com produtos adaptados às necessidades específicas delas”, explica Audrey.
Entre as estratégias para impulsionar o negócio, está a criação de um site onde os benefícios desses ingredientes serão detalhados, mostrando como os produtos amazônicos podem contribuir com a saúde e o bem-estar da pele.
Ainda, ela pretende incorporar a sustentabilidade por meio de uma conexão direta com as comunidades locais que colhem as matérias-primas, reconhecendo nelas o saber essencial sobre os ciclos da natureza e o uso responsável dos recursos amazônicos. Audrey também enxerga a sustentabilidade como uma questão de representatividade. “Quando se fala de governo ou de assembleia, essas pessoas, geralmente, não são as primeiras a serem lembradas. Hoje, elas estão um pouco isoladas das decisões políticas em nível nacional. Quero ajudar essas comunidades a terem voz no próprio país”, afirma.
Um dos principais desafios enfrentados no desenvolvimento do projeto foi o planejamento financeiro. Estimar os custos envolvidos — desde as visitas às comunidades até a criação de uma estrutura de distribuição que inclua armazéns e envio dos produtos — revelou-se especialmente complexo. A imprevisibilidade do clima na Amazônia torna ainda mais difícil planejar prazos, gastos e logística.
Apesar disso, a estudante também acredita que o projeto tem potencial para se concretizar no futuro. “O povo brasileiro tem muito orgulho da Amazônia e do que existe dentro dela. Se conseguirem promover esse patrimônio e mostrar ao mundo o quanto ele é importante e valioso, isso vai funcionar”, diz.
Por último, o projeto Amazonian Pathways, que significa Caminhos Amazônicos, idealizado por Juliette, busca facilitar o acesso de empresas da região amazônica a certificações como orgânica, Rainforest Alliance e comércio justo — selos que atestam práticas sustentáveis e socialmente responsáveis.
Ela explica que essas certificações são fundamentais para valorizar produtos amazônicos, permitindo que sejam vendidos por preços até 30% mais altos, além de abrirem portas para novos mercados e parcerias com ONGs e programas de inovação verde. No entanto, muitos produtores locais enfrentam barreiras logísticas e burocráticas, como a falta de infraestrutura, documentação e conhecimento técnico para atender aos critérios exigidos.
Para resolver esse problema, o projeto oferece um serviço completo de coleta de dados diretamente nas comunidades e de gestão dos processos administrativos necessários para obtenção das certificações. Por meio de ações em campo, Caminhos Amazônicos atua superando obstáculos estruturais, legais e administrativos, ajudando empresas a se regularizarem e se tornarem mais competitivas no mercado sustentável.
Dessa forma, como principal missão, o projeto visa fortalecer as cadeias produtivas locais e impulsionar o desenvolvimento econômico da região, além de contribuir para a preservação da floresta e dos saberes tradicionais.
A sustentabilidade está no centro da proposta da estudante, desde a valorização de matérias-primas amazônicas até o uso de transportes sustentáveis para acessar as comunidades e realizar a coleta de dados. Por outro lado, a logística se repete como um dos maiores desafios. Para garantir a coleta de documentação sobre a localização das comunidades amazônicas, ela aponta ser necessária um trabalho prévio de mapeamento e aproximação com os territórios antes mesmo do início efetivo do projeto.
Juliette defende que o modelo é promissor, especialmente por estar alinhado com demandas reais identificadas em conversas com empreendedores da região. “Se fizermos um bom trabalho de base, com organização e eficiência, a procura pode ser alta – e o negócio pode dar muito certo”.
Cada uma das estudantes levou lições valiosas dessa experiência para a vida pessoal e profissional. Juliette, por exemplo, aprendeu a importância da escuta ativa e de considerar diferentes perspectivas. Para ela, a chave para o sucesso de um negócio está em entender e integrar os interesses e sentimentos das pessoas envolvidas.
Já Audrey descobriu que o sucesso de um empreendimento está diretamente ligado à compreensão profunda do problema que se quer resolver. Ela observou muitos empreendedores que, inicialmente, não conseguiam atingir seu objetivo porque não haviam investigado o problema de forma completa e identificado as reais necessidades presentes. A estudante reforça a importância do estudo minucioso e da análise detalhada para a criação de soluções eficazes.
Soline, por sua vez, destaca a importância de respeitar o tempo dos processos e não ter pressa para alcançar resultados grandiosos. “Quando você quer fazer algo, pode tirar um tempo para aprender com outras pessoas, com a história do lugar”, diz. Para ela, é essencial ouvir quem já tentou fazer algo parecido, observar os caminhos possíveis e compreender que nem todo impacto precisa ser gigante para ser significativo. “Aqui estudamos negócios que não são grandes globalmente, mas que têm um impacto enorme em nível local”, afirma. Essa compreensão, de que criar impacto — mesmo que pequeno — já é uma conquista, é a principal lição que pretende levar para a vida.
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