Estudo revela impacto da perda de grandes herbívoros nas interações entre plantas e seus inimigos naturais

 

Insetos e microrganismos que consomem plantas, alterando o tecido foliar ou criando manchas escuras, são frequentemente rotulados como pragas e vistos como nocivos. No entanto, as interações entre plantas e esses inimigos naturais são cruciais para a geração e manutenção da biodiversidade.

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Em florestas tropicais, essas “pragas” integram extensas redes ecológicas, essenciais para o funcionamento dos ecossistemas. Sua redução pode indicar alterações na dinâmica da floresta, cujas consequências ainda são pouco compreendidas.

Um estudo publicado recentemente (08/02) no Journal of Ecology indica que a perda de grandes herbívoros, como antas, veados e queixadas, pode contribuir para a diminuição das interações entre plantas e seus inimigos naturais.

“Sem a presença de grandes herbívoros que consomem, removem e pisoteiam as plantas, há um aumento na diversidade de espécies vegetais a curto prazo. Como os patógenos têm relações muito específicas com suas plantas hospedeiras, áreas com maior diversidade de espécies diluem as chances de propagação e continuidade do ciclo de vida dos patógenos. A redução das interações entre plantas e patógenos pode ter implicações evolutivas para ambos”, explica Carine Emer, autora principal do estudo, realizado durante seu pós-doutorado no Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, com bolsa da FAPESP.

Outra possível explicação para a diminuição dos patógenos na ausência de grandes herbívoros é que esses animais percorrem grandes distâncias na floresta, podendo transportar microrganismos de uma planta para outra, o que não ocorre quando são extintos localmente.

Os resultados são fruto de dois projetos apoiados pela FAPESP. O mais recente, “DEFAU-BIOTA: efeitos da defaunação no carbono do solo e na diversidade funcional de plantas da Mata Atlântica”, é financiado no âmbito do Programa BIOTA e coordenado por Mauro Galetti, professor do IB-Unesp que também assina o artigo.

O outro projeto, “Consequências ecológicas da defaunação na Mata Atlântica”, também coordenado por Galetti, monitora desde 2009 um conjunto de parcelas pareadas de Mata Atlântica, áreas de 15 metros quadrados, em quatro locais no Estado de São Paulo. Uma das parcelas é cercada para evitar a entrada dos grandes mamíferos herbívoros, enquanto a outra permanece livre para a passagem desses animais.

Dessa forma, é possível observar os efeitos da exclusão de queixadas, antas, veados, bem como de pacas e cutias, nas plantas, no solo e nas interações ecológicas, como na herbivoria foliar causada por insetos. Em trabalhos anteriores, o grupo já havia mostrado a importância dos grandes mamíferos na fertilidade do solo da floresta, na estrutura espacial das comunidades de plantas e na dispersão de sementes.

Galetti também é um dos coordenadores do Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças Climáticas (CBioClima), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.

Mamíferos, insetos e microrganismos

No trabalho atual, os pesquisadores analisaram danos foliares em 10.050 folhas de 3.350 plantas em 86 parcelas, distribuídas em áreas de Itamambuca, Ilha do Cardoso, Parque Estadual Carlos Botelho e Vargem Grande Paulista.

Os danos foliares foram classificados em cinco grupos funcionais, incluindo danos causados por insetos (como larvas de besouro e borboletas) e por patógenos (como bactérias, fungos e vírus). As folhas foram analisadas em plantas com até um metro de altura, o chamado sub-bosque, abaixo da copa das árvores e na altura em que os grandes herbívoros conseguem remover as folhas. Os danos foliares eram classificados numa escala de 0 (intacta) a 6 (entre 75 e 99% danificada).

Nas áreas livres de grandes mamíferos herbívoros, os danos totais às folhas foram 9% menores. Os danos causados apenas por patógenos foliares, por sua vez, foram reduzidos em 29% nas parcelas cercadas. Os danos causados por insetos não tiveram diferenças significativas entre as parcelas abertas e fechadas.

“As plantas interagem com seus inimigos naturais há milhares de anos, em uma corrida armamentista de defesa e ataque. Para isso, desenvolvem defesas, tanto físicas quanto químicas. Por sua vez, os inimigos naturais, como os patógenos, criam novas formas de ataque, no que as plantas criam novas defesas. Esse é um fator importante para a manutenção e geração de biodiversidade, uma vez que nesse processo podem surgir espécies novas tanto de plantas como de organismos que interagem com elas”, explica Emer, que atualmente é pesquisadora no Jardim Botânico do Rio de Janeiro e no Instituto Juruá.

Em longo prazo, portanto, a diminuição das interações entre plantas e patógenos foliares pode deixar de ser uma força de seleção para geração de biodiversidade. Recentemente, por exemplo, pesquisadores alemães analisaram fósseis de folhas e mostraram como grandes mudanças na estrutura da vegetação ocorridas nos últimos 66 milhões de anos resultaram na perda de interações e na diversidade funcional de certos grupos de insetos herbívoros. Algo parecido poderia se dar com a perda dos patógenos em áreas com mudanças na estrutura da vegetação devido à perda de grandes mamíferos, por exemplo.

“Nosso estudo traz resultados inovadores e, por isso mesmo, merece ser aprofundado em outras áreas da Mata Atlântica e em outras florestas tropicais. De toda forma, evidencia mais um problema que a extinção de grandes mamíferos pode causar”, encerra Emer.

O trabalho teve ainda entre os autores Nacho Villar, que recebeu bolsa de pós-doutorado da FAPESP durante o desenvolvimento do trabalho e atualmente é pesquisador no Instituto de Ecologia dos Países Baixos.

Redação Revista Amazônia

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