Economia

O Ibama sob escrutínio: audiência em Rondônia expõe tensões entre regulação ambiental e produção rural

Em Porto Velho, Rondônia, ocorre nesta sexta-feira (31) uma audiência pública que, à primeira vista, se apresenta como um diálogo técnico sobre os embargos aplicados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Mas, em um plano mais profundo, o evento reflete uma tensão estrutural entre a política de fiscalização ambiental e os interesses econômicos do setor agropecuário.

A reunião integra uma diligência externa da Subcomissão Temporária para Acompanhar os Embargos de Terras pelo Ibama (CRATERRAS), criada no âmbito do Senado Federal. Presidida pelo senador Jaime Bagattoli (PL–RO), a diligência reúne também os senadores General Mourão, Zequinha Marinho e Marcos Rogério, além de produtores rurais e representantes de entidades ligadas ao setor produtivo.

Segundo seus organizadores, o objetivo é compreender as dificuldades enfrentadas por agricultores que tiveram propriedades embargadas pelo Ibama e avaliar possíveis soluções que conciliem atividade econômica e preservação ambiental. No entanto, a forma e o contexto político dessa iniciativa despertam preocupações quanto ao equilíbrio entre fiscalização e flexibilização, em um momento em que o país busca consolidar compromissos ambientais mais rigorosos no cenário internacional.

A CRATERRAS foi criada em 2025 para analisar casos de embargos considerados “preventivos” ou “automáticos”, especialmente em estados da Amazônia Legal. Esses embargos, muitas vezes baseados em análises remotas de desmatamento, são vistos por parlamentares da bancada ruralista como fonte de insegurança jurídica e de entraves à produção. Por outro lado, o Ibama argumenta que as restrições são fundamentais para conter infrações ambientais e proteger áreas de floresta sob forte pressão.

Essa divergência coloca em foco um dilema que perpassa a política ambiental brasileira desde a redemocratização: como compatibilizar o avanço da agropecuária — pilar econômico nacional — com a integridade dos ecossistemas que sustentam o país. O tema é particularmente sensível em Rondônia, estado que figura entre os que mais registraram desmatamento nos últimos anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Reprodução

SAIBA MAIS: Comunidades do Parque de Mirador promovem educação ambiental e fortalecem governança participativa no Maranhão

O formato escolhido pela CRATERRAS — com visitas a propriedades embargadas e audiências regionais — tem um componente simbólico importante. Ele aproxima o poder legislativo das realidades locais, mas também sinaliza uma tentativa de reavaliar o alcance das medidas de controle ambiental. Para analistas, há o risco de que esse movimento político reduza a autoridade técnica do Ibama e pressione seus servidores, em um momento de recomposição institucional após anos de cortes e instabilidade.

Por outro lado, é inegável que parte dos produtores enfrenta dificuldades reais decorrentes dos embargos. Em muitos casos, há morosidade na análise dos recursos, falhas na comunicação institucional e falta de clareza nos critérios de desbloqueio. A ausência de respostas rápidas tende a alimentar a percepção de que o Estado atua de forma punitiva, e não preventiva.

A audiência em Porto Velho, portanto, ocorre num terreno ambíguo. De um lado, representa um espaço legítimo de diálogo e de escuta — um fórum onde agricultores, parlamentares e autoridades ambientais podem discutir problemas concretos e buscar ajustes procedimentais. De outro, carrega o potencial de se transformar em uma plataforma política de contestação à autoridade fiscalizadora, o que exigirá cuidado para que o debate não seja capturado por interesses setoriais.

Ao fim da diligência, a CRATERRAS deve propor medidas para reduzir os impactos econômicos e sociais dos embargos. A forma como essas recomendações serão recebidas — e, sobretudo, se incluirão salvaguardas para a integridade ambiental — servirá como termômetro do equilíbrio institucional entre a produção e a regulação.

Mais do que um episódio regional, a audiência de Rondônia expõe as dificuldades do país em definir um caminho estável entre o desenvolvimento rural e o cumprimento de suas metas ambientais. Se o diálogo resultar em maior transparência e eficiência nos processos do Ibama, será um avanço. Mas se o desdobramento for o enfraquecimento da capacidade de fiscalização ambiental, o país poderá caminhar na direção oposta à que o mundo espera de uma potência agroambiental.

Recent Posts

  • Meio Ambiente

Floresta em pé surge como aliada no combate às mudanças do clima

Quando a lavoura encontra a floresta Em um cenário marcado por secas prolongadas, chuvas extremas…

17 horas ago
  • Meio Ambiente

Brasil desperdiça 6 mil piscinas de água tratada por dia

Um país que deixa a água escapar pelo ralo Todos os dias, antes mesmo de…

18 horas ago
  • Meio Ambiente

Ararinhas-azuis recapturadas testam positivo para vírus letal

Um alerta vermelho para a reintrodução da ararinha-azul O sonho de devolver a ararinha-azul à…

19 horas ago
  • Meio Ambiente

Estudo revela quanto da Antártica realmente está livre de gelo

Antártica sem gelo: um retrato inédito de um continente quase invisível No imaginário coletivo, a…

20 horas ago
  • Saúde

FAPESP e Holanda apoiam pesquisas sobre clima e saúde urbana

Ciência sem fronteiras diante de um clima em transformação O avanço das mudanças climáticas tem…

4 dias ago

This website uses cookies.