Inovação no Pantanal revoluciona estudo da onça-pintada

No Pantanal Norte, entre áreas alagadas, matas ciliares e a poeira da Transpantaneira, um experimento científico vem mudando a forma como conhecemos a onça-pintada (Panthera onca). Pesquisadores do Instituto Impacto e da Universidade Estadual Paulista (UNESP) desenvolveram uma técnica inédita: coletar pelos de onças sem qualquer contato direto com os animais, sem captura, sedação ou manipulação. O método, testado na Pousada Piuval, em Mato Grosso, pode redefinir o estudo de grandes felinos em vida livre, unindo ciência de ponta, ética e conservação.

Desde 2022, os cientistas já coletavam amostras fecais para investigar dieta, parasitas e presença das onças na região. Mas as fezes, embora úteis, limitam análises mais profundas. Foi então que os pesquisadores exploraram um comportamento típico desses felinos: esfregar o corpo em troncos, marcas no solo ou objetos do ambiente. Ao instalar discretos tapetes de fibra sintética em trilhas naturais e monitorá-los com armadilhas fotográficas, conseguiram capturar fios de pelo deixados pelas próprias onças em seus movimentos cotidianos — sem uso de iscas ou atrativos.

Esse gesto aparentemente banal transformou-se numa fonte riquíssima de dados. O material coletado mostrou qualidade suficiente para análises genéticas, químicas e isotópicas. A microscopia revelou pelos intactos, adequados para estudos moleculares e toxicológicos. O gene AML, que identifica o sexo do animal, foi amplificado com sucesso, e a eletroforese confirmou a integridade genética do material.

Os benefícios vão além do conhecimento acadêmico. Os dados genéticos permitem identificar indivíduos, mapear a diversidade populacional e até investigar parentescos. Já os testes toxicológicos trouxeram um alerta: foram detectados níveis elevados de cádmio e manganês nos pelos, em quantidades consideradas tóxicas. Esses elementos, possivelmente relacionados ao garimpo de ouro, sugerem contaminação ambiental que afeta não apenas os grandes predadores, mas também comunidades humanas que dividem o mesmo ecossistema.

ICMBIO/divulgação

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Outro ponto promissor vem da análise de isótopos estáveis, capaz de revelar padrões de dieta e uso de território. Ainda com um conjunto limitado de dados, o estudo já mostra potencial para explicar como alterações no habitat, pressões humanas e degradação ambiental impactam diretamente as onças.

O artigo científico com esses resultados foi publicado na revista Animals. Ele reforça que a técnica inaugura um caminho mais ético, econômico e replicável para estudar felinos em vida livre. Ao eliminar a necessidade de captura, reduz custos, riscos e estresse para os animais — fatores que frequentemente limitam pesquisas de campo.

A inovação é também democrática. Com recursos relativamente acessíveis, pode ser adotada por grupos menores de pesquisa, expandindo o monitoramento em áreas onde antes seria inviável. Além disso, abre possibilidade de aplicação em outros grandes carnívoros, de tigres na Ásia a pumas nos Andes, sempre com a mesma premissa: aprender a partir dos rastros, sem interferir na vida selvagem.

No contexto atual, em que a conservação da biodiversidade exige equilíbrio entre rigor científico e ética, esse avanço brasileiro se coloca como um novo paradigma. Ele amplia o alcance da ciência e fortalece a proteção da onça-pintada, espécie vulnerável que desempenha papel vital no equilíbrio dos ecossistemas.

O recado é direto e poderoso: não é preciso capturar uma onça para conhecê-la. Basta acompanhar seus caminhos e interpretar os sinais que ela deixa. Cada pelo encontrado carrega um mundo de informações, aproximando a ciência da natureza de forma respeitosa e transformadora.

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