Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Em uma iniciativa que une criatividade e sustentabilidade, a usina hidrelétrica de Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu, no Paraná, tornou se palco de uma transformação inusitada. Dentro de suas instalações, no lado brasileiro, opera uma usina de biogás e biometano que está dando um destino nobre a produtos apreendidos pela Receita Federal. Carretas carregadas de mercadorias como feijão e milho, outrora símbolos do contrabando, chegam ao local para virar energia limpa, em um ciclo virtuoso que minimiza o desperdício e contribui para um futuro mais sustentável.
Essa ação singular é fruto de uma colaboração estratégica entre o órgão arrecadador de tributos e o Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás). O CIBiogás, uma empresa fundada pela própria Itaipu Binacional, é uma referência em soluções para combustíveis limpos e opera a biousina com maestria. A parceria não se limita à Receita Federal; a biousina também tem acordos com a Polícia Federal (PF) e o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
Essas alianças interinstitucionais conferem um desfecho surpreendente a mercadorias apreendidas, sejam elas fruto de contrabando (produtos proibidos por lei) ou descaminho (produtos que entram no país sem o devido pagamento de impostos). No pátio de estoque da usina, acumulam se litros de vinho, toneladas de açúcar e uma variedade de outros produtos como azeite, óleo, batata, chiclete, farinha, cacau e pó de café. Segundo Felipe Marques, diretor de Estratégias de Mercado do CIBiogás, a versatilidade da usina é notável: já foram mapeados mais de 400 tipos de resíduos orgânicos capazes de serem convertidos em energia limpa, o que demonstra o vasto potencial da iniciativa.
O coração dessa inovação é um enorme tanque vedado onde ocorre a biodigestão. Esse processo biológico transforma a matéria orgânica dos produtos apreendidos em biogás. O resultado final é um gás combustível renovável, uma verdadeira fonte de energia limpa que desempenha um papel fundamental na redução da emissão de gases do efeito estufa. Esses gases são os principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas, que, por sua vez, intensificam a frequência de eventos ambientais extremos.
Marques explica que, em termos de impacto na emissão de gases do efeito estufa, o biometano se equipara ao etanol, outro combustível renovável amplamente utilizado em veículos. “É praticamente a mesma emissão”, afirma ele. O potencial é ainda maior quando o biometano substitui o diesel. “O biometano sendo usado para substituir diesel causa um impacto muito grande em termos de redução de emissões”, destaca o diretor. Isso representa um avanço significativo na descarbonização da frota de veículos e na transição para uma matriz energética mais verde.
A biousina em Itaipu não se alimenta apenas de produtos apreendidos. Ela também recebe resíduos orgânicos dos restaurantes do complexo da própria hidrelétrica. A planta tem uma capacidade de processamento de meia tonelada de rejeitos por dia e, desde 2017, já processou mais de 600 toneladas. E o ritmo pode aumentar, pois a usina tem capacidade para chegar a uma tonelada diária, demonstrando seu potencial de escala e impacto.
Do biogás produzido na biousina, é gerado o biometano, um gás com características semelhantes às do gás natural. Esse biometano é utilizado para abastecer a frota de veículos leves do complexo de Itaipu e até mesmo o ônibus de turismo da hidrelétrica, um exemplo prático de sustentabilidade em ação. A usina produz cerca de 200 metros cúbicos (m³) de biogás por dia e 100 m³/dia de biometano, volume suficiente para abastecer diariamente dez carros.
Desde 2017, a unidade já abasteceu um impressionante volume de 41,3 mil m³ de biometano, o que possibilitou que os veículos percorressem 484 mil quilômetros. Os técnicos do CIBiogás destacam a diversidade de materiais já processados na planta, incluindo: 22 toneladas de leite em pó da Índia, apreendidos no Porto de Paranaguá; 75 toneladas de cacau da Tailândia, também apreendidos em Paranaguá; 9 mil litros de azeite; 5,5 toneladas de leite em pó; e 870 litros de vinho. Cada um desses itens, que antes representavam um problema de descarte, agora se transforma em uma solução energética.
Geovani Geraldi, integrante da Diretoria de Desenvolvimento Tecnológico do CIBiogás, explica a complexidade do processo. É fundamental dosar o conteúdo levado ao biodigestor para garantir a qualidade do biogás e do biometano produzidos. “Farinha produz muito biogás, mas não tanto assim de metano. Então, eu preciso dosar a farinha com mais calma do que azeite de oliva, que produz muito biogás e é rico em metano, então coloco mais azeite de oliva”, exemplifica Geraldi. “Dosando com aquilo que temos também de estoque, se não vai poder faltar futuramente. A gente tem todo esse controle operacional”, completa, revelando a ciência por trás da operação.
A relevância do biometano produzido em Itaipu já atraiu a atenção de grandes players. De acordo com Felipe Marques, a Petrobras demonstrou interesse em adquirir o biometano gerado na biousina. “Eles estão bem engajados em termos de usar biometano e impulsionar o mercado de biometano no Brasil”, conta Marques, indicando um futuro promissor para esse combustível limpo no cenário nacional. Além da energia, os resíduos do processo de biodigestão também podem ser transformados em biofertilizantes, que são utilizados na irrigação de gramados ou na recuperação de áreas degradadas, fechando um ciclo de sustentabilidade completo.
Mas as ambições do CIBiogás e de Itaipu não param por aí. A partir da biodigestão de apreensões da Receita e da PF, a unidade está desenvolvendo o bio syncrude, um óleo sintético que pode ser utilizado na produção de SAF (Combustível Sustentável de Aviação). O SAF representa uma esperança real para a aviação, pois tem o potencial de reduzir significativamente a emissão de gases do efeito estufa em comparação com o querosene de aviação tradicional.
Essa inovação brasileira será um dos destaques na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que ocorrerá em novembro, em Belém, no Pará. Itaipu Binacional está preparando uma demonstração do óleo sintético, um marco que posiciona o Brasil na vanguarda das soluções para descarbonizar a aviação. Para refinar o bio syncrude e transformá lo em SAF, Itaipu firmou uma parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR), unindo a expertise prática da usina com o conhecimento acadêmico. Os investimentos em energia renovável são uma das apostas de Itaipu Binacional para aumentar a sua geração de energia, consolidando seu papel não apenas como produtora de hidroeletricidade, mas também como um centro de excelência em energias limpas e sustentabilidade.
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