Nossos índios, nossos mortos retorna às livrarias em nova edição pela Letra Capital Editora
Publicado pela primeira vez na década de 1970 pela editora Codecri, responsável também pelos títulos do jornal O Pasquim, o livro Nossos índios, nossos mortos retorna às livrarias em nova edição pela Letra Capital Editora. Escrita pelo jornalista, escritor e documentarista Edilson Martins, a obra se tornou um marco do jornalismo de denúncia no Brasil ao expor a violência contra os povos indígenas e a devastação da Amazônia em plena ditadura militar.
Cinco décadas depois, o livro reaparece não como relíquia, mas como documento vivo. Ao longo dos anos, nunca desapareceu totalmente: permaneceu em sebos, bibliotecas, estantes virtuais e, sobretudo, nas mãos de leitores que o repassavam entre amigos. Agora, atualizado e ampliado, volta ao público em um momento simbólico, às vésperas da COP30, que será realizada em novembro, em Belém do Pará.
Entre os entusiastas da primeira edição estavam figuras como o antropólogo Darcy Ribeiro e os irmãos sertanistas Cláudio e Orlando Villas-Bôas, pioneiros na defesa dos povos indígenas. O impacto inicial foi imediato: mais de 350 mil exemplares vendidos, algo incomum para uma obra que tratava de massacres, epidemias, remoções forçadas e a expansão predatória sobre territórios originários. O livro deslocou a questão indígena do círculo restrito de antropólogos e sertanistas para o debate público, transformando-se em referência obrigatória.
A nova edição preserva a linguagem direta de Edilson Martins, mas acrescenta novidades: um prefácio inédito, textos de apresentação do escritor Antônio Callado e do sertanista Apoena Meirelles, além de uma crônica sobre Marina Silva quando foi convidada por Lula, em 2002, para assumir o Ministério do Meio Ambiente.
O lançamento será em 17 de setembro, na Livraria da Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro, com entrevista ao vivo do autor para o jornalista Ricardo Lessa e exibição de vídeos produzidos pelo próprio Edilson.
Ao longo de 286 páginas e 44 fotografias, o livro reúne nove capítulos em que o autor documenta não apenas as atrocidades cometidas contra povos indígenas, mas também a riqueza de suas culturas, organizações sociais, cerimônias religiosas e modos de vida. São relatos de campo de mais de 50 anos de viagens, atravessando reservas, aldeias e regiões isoladas, onde registrou tradições, crenças, relações de gênero e até curiosos matriarcados em processo de desaparecimento.
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Personagens históricos dão corpo à narrativa. O Cacique Mário Juruna, dos Xavante, surge em uma entrevista de 1977 publicada originalmente em O Pasquim. Umeru, cacique Bororo, relata o massacre da aldeia de Meruri pouco antes de morrer. Outros líderes também têm voz: Raoni, Turumin (pataxó), Prepori (Caiabi) e, em entrevista exclusiva, Orlando Villas-Bôas, indicado duas vezes ao Prêmio Nobel da Paz.
A força do livro está não apenas na denúncia, mas também na afirmação da vitalidade indígena. Martins descreve mais de 20 troncos e 150 famílias linguísticas, revelando como cada povo construiu formas singulares de lidar com ciúme, casamento, erotismo, poligamia e a vida em comunidade. Esse mosaico cultural contrasta com as pressões externas de missões religiosas, mineração, frentes de expansão e projetos de “pacificação”.
O retorno de Nossos índios, nossos mortos acontece em um Brasil que ainda convive com a mesma lógica de destruição denunciada há meio século. Hoje, as ameaças não se limitam a massacres e epidemias: o avanço do desmatamento, da mineração ilegal e das mudanças climáticas agrava a vulnerabilidade dos povos originários. Para Edilson Martins, a coincidência com a COP30 é emblemática: “Este livro volta como leitura obrigatória. Não se pode pensar o Brasil sem os povos indígenas. Eles são a raiz de nossa formação étnica e cultural”.
A trajetória do autor explica a força da obra. Nascido no Seringal Esperança, na divisa entre Amazonas e Acre, cresceu ouvindo relatos das “correrias” — expedições de seringalistas para exterminar aldeias. Convertendo testemunho em jornalismo, colaborou para veículos como o Jornal do Brasil, IstoÉ, Opinião e O Pasquim. Mais tarde, recebeu o Prêmio Vladimir Herzog pelo documentário Chico Mendes – Um povo da floresta, exibido em TVs de todo o mundo.
Autor de nove livros, todos esgotados, Edilson Martins insiste em uma advertência: governos passam, regimes caem, mas o desaparecimento das florestas e de seus povos não tem volta. É o alerta que atravessa décadas e que faz de Nossos índios, nossos mortos não apenas um livro, mas um testemunho essencial para pensar o Brasil no presente.
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