Reprodução - Agência Brasília
O lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), maior canídeo da América do Sul, é muitas vezes lembrado apenas por sua figura esguia e sua marcha silenciosa nos campos do Cerrado. No entanto, esse animal ocupa um papel ecológico crucial, que pode trazer benefícios diretos até para a agropecuária. É o que mostra a pesquisa desenvolvida pelo biólogo Luan de Brito, doutorando em Biologia Animal pela Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Desde a graduação em Ciências Biológicas na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Luan vem estudando o comportamento do lobo-guará. Seus primeiros trabalhos investigaram aspectos reprodutivos das fêmeas em cativeiro, buscando aprimorar programas de conservação. No mestrado em Biologia de Vertebrados na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), com bolsa da CAPES, aprofundou o olhar sobre a espécie ao analisar como sexo e temperamento influenciam as respostas ao enriquecimento ambiental em zoológicos.
Agora, no doutorado pela UFV — também financiado pela CAPES, órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), o pesquisador amplia o escopo, investigando como a agropecuária afeta a ecologia, a fisiologia e a distribuição espacial do lobo-guará em diferentes regiões da América do Sul.
O Cerrado brasileiro, onde a espécie encontra seu habitat principal, é também o coração da produção agropecuária do país. A conversão de áreas naturais em pastagens e lavouras expõe o lobo-guará a pressões intensas, mas também cria situações de coexistência. Luan analisa justamente essa interação, buscando compreender como o animal responde ao avanço humano e de que maneira os produtores podem se beneficiar de sua presença.
O lobo-guará é onívoro: consome frutos, pequenos vertebrados e insetos. Essa dieta flexível faz dele um regulador natural de populações que causam prejuízos às lavouras, como roedores e gafanhotos. Ao mesmo tempo, é um importante dispersor de sementes de plantas nativas, como a lobeira, ajudando a manter a diversidade vegetal dos campos.
SAIBA MAIS: Por que o lobo-guará tem pernas tão compridas e o que isso revela sobre seu habitat
A pesquisa combina metodologias diversas. Inclui coleta de dados geoespaciais para mapear onde os lobos circulam, análise de marcadores fisiológicos que indicam estresse ou adaptação e modelagem espacial para identificar áreas prioritárias à conservação. O objetivo não é apenas entender a biologia do animal, mas também criar ferramentas para conciliar a produção agrícola com a proteção da fauna.
Segundo Luan, o ponto mais relevante do trabalho é seu caráter integrado. Ao revelar as zonas de maior sobreposição entre agropecuária e ocorrência do lobo-guará, a pesquisa permite propor práticas de manejo que favoreçam tanto a sustentabilidade das fazendas quanto a conservação da biodiversidade. Esse conhecimento pode ajudar a reduzir conflitos entre produtores e fauna silvestre, transformando a relação em cooperação.
A relevância da pesquisa vai além do campo científico. Os resultados podem embasar políticas públicas de conservação, orientar programas de educação ambiental e fortalecer o reconhecimento do valor da fauna nativa pelas comunidades rurais. Afinal, enxergar o lobo-guará não como uma ameaça, mas como um aliado na proteção das lavouras, é um passo importante para a convivência harmônica entre humanos e natureza.
A conservação da espécie é estratégica não apenas por sua beleza ou singularidade, mas porque ela cumpre funções ecológicas indispensáveis. Perder o lobo-guará seria como retirar uma engrenagem vital do Cerrado, com efeitos em cadeia para a biodiversidade e até para a economia agrícola.
Luan destaca que a bolsa da CAPES foi determinante em todas as etapas de sua trajetória. Graças a esse apoio, pôde se dedicar integralmente à pesquisa, realizar trabalhos de campo extensivos, custear análises laboratoriais e participar de congressos científicos no Brasil e no exterior. Sem esse investimento público, boa parte da produção científica nacional, especialmente em áreas estratégicas como a conservação, não teria condições de avançar.
O trabalho conduzido na UFV aponta para um futuro em que agropecuária e conservação não precisam ser vistas como forças opostas. Ao contrário, podem caminhar juntas, especialmente quando o conhecimento científico revela que a biodiversidade oferece serviços ecológicos que reduzem custos, aumentam a produtividade e fortalecem a resiliência ambiental.
Assim, o lobo-guará emerge não apenas como símbolo do Cerrado, mas também como peça-chave em uma nova visão de desenvolvimento rural sustentável: aquele que reconhece a natureza como parceira, e não como inimiga.
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