Indígenas elevam a voz em Brasília e exigem a derrubada imediata do Marco Temporal

A manifestação desta quinta-feira (2) representa o ponto alto de uma mobilização contínua na capital federal, onde os povos originários exigem que o Supremo Tribunal Federal paute e julgue os recursos que questionam a constitucionalidade da polêmica lei. Para as comunidades, a norma do marco temporal não é apenas um entrave burocrático, mas uma afronta direta aos seus direitos fundamentais e um catalisador da violência em seus territórios.

O Marco Temporal: Uma Ameaça à Própria Constituição

A tese  marco temporal opera como um divisor de águas: estabelece o dia 5 de outubro de 1988 como a data limite para o reconhecimento da posse indígena. Na prática, este critério ignora o histórico de violência, esbulho, remoções forçadas e perseguições sofridas pelos povos originários ao longo de séculos. Ao exigir a presença física ou a disputa judicial em uma data específica, a lei penaliza justamente aqueles que foram expulsos de suas terras pela violência, desconsiderando a natureza permanente dos seus direitos.

Kretã Kaingang, uma das vozes que se levantaram no ato, foi enfático ao denunciar o impacto destrutivo da lei. “A lei ataca todos os direitos e muda todo o Artigo 231 [da Constituição], que garante os direitos originários aos nossos territórios”, afirmou, sublinhando que a legislação de 2023 é um reforço ao “marco contrário” que há anos “vem dizimando os povos indígenas no Brasil”. O Artigo 231 reconhece aos povos indígenas o direito à sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, além dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, um reconhecimento que a nova lei busca esvaziar.

Lideranças indígenas reunidos em Brasília

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A urgência do julgamento é amplificada pelos eventos recentes. A mobilização em outubro, mês da posse do ministro Edson Fachin na presidência do STF e das celebrações dos 37 anos da promulgação da Carta Magna, busca pressionar a nova gestão da Corte a dar prioridade à matéria. “É necessário que a gente faça a luta este ano para que seja pautado pelo presidente que assumiu nesta semana a questão da inconstitucionalidade da Lei 14.701 para a gente colocar um ponto final no marco temporal e para que o nosso povo possa ter paz”, completou Kretã. A luta pela paz, nesse contexto, é intrinsecamente ligada à garantia do território e do modo de vida.

O Embate Histórico entre os Poderes da República

A polêmica do marco temporal desencadeou um intenso cabo de guerra institucional, colocando o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional em lados opostos na definição dos direitos territoriais indígenas. A Suprema Corte já havia se posicionado de forma decisiva em setembro de 2023, quando, em uma decisão histórica, julgou a tese inconstitucional. O STF reconheceu que os direitos dos povos originários sobre suas terras são anteriores à própria criação do Estado brasileiro e à promulgação da Constituição Federal de 1988.

Na sequência, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva utilizou seu poder executivo para vetar o projeto de lei que visava validar essa tese. Contudo, em uma demonstração de força política, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial em dezembro de 2023, restabelecendo a validade do marco temporal e transformando-o na Lei 14.701/2023. Esse ciclo de decisões, vetos e reviravoltas jogou a palavra final de volta para o STF.

O tribunal agora deve se debruçar sobre os recursos que contestam a lei promulgada, reacendendo o debate jurídico e político. A tentativa de uma solução consensual no Supremo Tribunal Federal também fracassou recentemente. Representantes da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) abandonaram uma audiência de conciliação após o ministro Gilmar Mendes rejeitar o pedido de suspensão imediata da lei.

A presença dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani e Kaiowá em Brasília, portanto, transcende o protesto; é um apelo dramático à última instância judicial do país. A demarcação de terras, que deveria ser um ato administrativo de cumprimento constitucional, transformou-se em uma batalha política e judicial de grandes proporções. A inconstitucionalidade do marco temporal, já reconhecida pelo STF em sua decisão anterior, é o alicerce que a mobilização indígena busca restabelecer, na esperança de que os direitos originários previstos na Constituição de 1988 finalmente prevaleçam sobre os interesses econômicos e a legislação infraconstitucional.

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