Valter Campanato/Agência Brasil
Em Belém, à beira da COP30, uma das vozes científicas mais claras chama atenção para um alerta que muitos evitam ouvir. Marina Hirota, pesquisadora com formação em meteorologia, matemática aplicada e ecologia, aponta que não estamos apenas próximos de ultrapassar o limiar de 1,5 °C de aquecimento global — já o fizemos, ou estamos muito próximos disso — e que permanecer neste patamar por tempo prolongado pode desencadear consequências profundas. Essa não é mais uma especulação acadêmica; é uma condição que o planeta já vive.
Ela lembra que a política climática global estabelecia metas claras: o pico das emissões antes de 2025, seguido por uma queda de cerca de 43% até 2030. No entanto, a trajetória foi descumprida. “Já deveríamos ter virado a curva entre 2020 e 2025”, afirma. Agora, ao invés de apenas mirar metas longínquas, a urgência real é diminuir o tempo que ficamos acima do limiar seguro — a chamada fase de overshooting. Quando o aquecimento ultrapassa 1,5 °C, sistemas como recifes de coral, florestas tropicais ou as correntes oceânicas podem iniciar mudanças irreversíveis.
Nesse sentido, Marina compara o planeta a um organismo: “Podemos pensar nesses sistemas como o corpo humano. Fígado, coração, estômago funcionando bem, um equilibra o outro. Se os corais desaparecem, o oceano aquece, e a Amazônia enfrenta secas mais extremas, todo o sistema enfraquece.” A metáfora ajuda a entender que uma falha em um “órgão” ecológico reverbera em outros, gerando impactos que vão além de estatísticas.
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Ela destaca igualmente um desafio de comunicação. O discurso científico é recheado de jargões, probabilidades e modelos complexos — mas a vida real de milhões de pessoas segue pautada por fazer o “fim do mês”, não o “fim do mundo”. Em uma conversa com um motoboy, ele disse: “eu não posso pensar no fim do mundo, eu tenho que pensar no fim do mês”. Marina então enfatiza que o trabalho de cientistas, jornalistas e comunicadores precisa criar pontes entre o tempo climático e o tempo vivido — o que ela chama de “traduzir conceitos” para a realidade cotidiana.
Além disso, a pesquisadora ressalta que não há solução apenas em laboratórios ou fórmulas técnicas: a ação climática exige mobilização social coletiva, escolhas políticas e mudança de hábitos. “O ser humano funciona muito em efeito manada. Precisamos agir no nosso cotidiano, ser exemplo para outras pessoas. Iniciativas que integram cientistas em torno de uma mesma mensagem são muito efetivas.” Essa frase resume um ponto-chave: se a ciência dá o diagnóstico, a sociedade precisa agir.
Marina também lembra a importância de integrar diferentes saberes e territórios, especialmente no contexto da Amazônia ou de regiões vulneráveis: entender o sistema terrestre como interligado, e reconhecer que mitigar o aquecimento envolve proteger florestas, melhorar a saúde dos ecossistemas e garantir justiça social. Quando a COP30 fala de metas globais, ela pergunta: “Mas onde está o tempo que essas comunidades terão para se adaptar? Onde está a equidade nessas soluções?”
Em suma, a mensagem que ecoa na conferência é urgente e simples: reduzir o tempo acima de 1,5 °C, conectar ciência e sociedade, transformar metas em ação — e agir agora. O planeta pode não dar aviso prévio. E se os “órgãos” desse organismo começaram a falhar, a janela de recuperação pode estar se fechando.
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