Marcos Santos - Ag. Pará
Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) criaram um produto inédito que transforma resíduos do cacau em um mel com sabor de chocolate. A inovação, publicada na revista ACS Sustainable Chemistry & Engineering, combina tecnologia verde, valorização da biodiversidade e potencial econômico para pequenos produtores.
A equipe utilizou o mel de abelhas nativas sem ferrão como solvente natural para extrair compostos bioativos das cascas da amêndoa de cacau, parte do fruto normalmente descartada após a fabricação de chocolate. O resultado é um mel enriquecido com teobromina, cafeína e compostos fenólicos, substâncias conhecidas por seus efeitos antioxidantes e estimulantes.
“O apelo do sabor é evidente, mas o valor nutricional e cosmético do produto é ainda mais interessante”, afirma Felipe Sanchez Bragagnolo, autor principal do estudo e pós-doutorando na Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp (FCA-Unicamp), com apoio da FAPESP.
A ideia de transformar o que seria rejeito agrícola em um novo ingrediente partiu de uma observação simples: as cascas da amêndoa de cacau concentram compostos valiosos, mas pouco aproveitados pela indústria. Para extrair essas substâncias, os pesquisadores recorreram a um método conhecido como extração assistida por ultrassom — técnica que usa ondas sonoras para romper o material vegetal e liberar seus componentes no solvente.
No caso, o solvente não foi um líquido industrial, mas o próprio mel de abelhas nativas. Essa escolha deu ao processo um caráter ambientalmente responsável e, ao mesmo tempo, gerou um produto com apelo sensorial e funcional.
Foram testados méis de cinco espécies brasileiras: borá (Tetragona clavipes), jataí (Tetragonisca angustula), mandaçaia (Melipona quadrifasciata), mandaguari (Scaptotrigona postica) e moça-branca (Frieseomelitta varia). O mel da mandaguari foi o primeiro utilizado para otimização do processo, por apresentar equilíbrio entre teor de água e viscosidade. As cascas de cacau foram cedidas pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Cati), em São José do Rio Preto.
Segundo os pesquisadores, o mel absorve parte dos compostos do cacau, adquirindo notas sensoriais de chocolate. O sabor varia conforme a proporção entre mel e casca, mas os primeiros testes indicam uma semelhança marcante com o doce original.
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A avaliação de sustentabilidade do processo foi realizada com o software Path2Green, desenvolvido pelo grupo coordenado pelo professor Mauricio Ariel Rostagno, também da FCA-Unicamp. O sistema mede a conformidade de processos industriais com os princípios da química verde, avaliando fatores como transporte, purificação e reaproveitamento de resíduos.
O novo produto atingiu pontuação positiva de +0,118 em uma escala que vai de –1 a +1, graças ao uso de solvente natural, à baixa demanda energética e à eliminação de etapas químicas poluentes.
“O método é simples, rápido e adaptável”, explica Rostagno. “Com equipamentos acessíveis, cooperativas ou pequenas indústrias que já trabalhem com mel ou cacau podem incorporar o processo e ampliar sua linha de produtos com alto valor agregado.”
A tecnologia já tem patente depositada e está em busca de parceiros interessados em licenciamento, por meio da Inova Unicamp: agência de inovação da universidade.
Além de ampliar o aproveitamento do cacau, o projeto destaca o papel das abelhas nativas brasileiras, fundamentais para a polinização de ecossistemas e para a economia local. Esses méis, mais aquosos e menos viscosos que os da abelha-europeia (Apis mellifera), mostraram ser solventes ideais para processos sustentáveis.
A equipe agora investiga outro aspecto promissor: o impacto do ultrassom na microbiologia do mel. A técnica parece romper a parede celular de microrganismos que degradam o produto, o que pode aumentar seu tempo de prateleira e reduzir a necessidade de refrigeração.
O grupo também planeja novas aplicações para o uso do mel como solvente ecológico na extração de compostos de outros resíduos vegetais, fortalecendo a integração entre bioeconomia e inovação tecnológica.
“O projeto mostra como ciência, biodiversidade e sustentabilidade podem caminhar juntas”, resume Bragagnolo. “Nosso objetivo é transformar o que era descarte em um produto nobre, que traz benefícios ambientais, econômicos e sensoriais.”
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