O mercado de carbono no Brasil acaba de ganhar um novo e polêmico capítulo. Com a recente aprovação da lei que regulamenta o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), as empresas do setor de seguros, resseguros, previdência complementar aberta e capitalização agora terão que destinar até R$ 9 bilhões para a compra de créditos de carbono ou fundos que invistam nesse ativo. A nova exigência, inédita no país, tem gerado um intenso debate entre governo, empresas e especialistas.
Se, por um lado, a medida fortalece o mercado de créditos de carbono e impulsiona a agenda ambiental brasileira, por outro, ela levanta preocupações sobre riscos financeiros e o possível estabelecimento de um precedente perigoso para futuras intervenções legislativas no setor.
A destinação de parte das reservas técnicas das seguradoras para créditos de carbono foi incluída de última hora no texto final da lei, sem um debate prévio com as empresas do setor. A regra determina que 0,5% das provisões técnicas dessas companhias sejam alocadas em ativos relacionados ao mercado de carbono. Como o montante total dessas reservas é estimado em R$ 1,8 trilhão, o impacto da medida gira entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões.
Embora o percentual pareça pequeno, especialistas alertam para os riscos dessa alocação forçada. As seguradoras baseiam seus investimentos na análise de risco, liquidez e rentabilidade, garantindo que seus ativos estejam alinhados com as obrigações financeiras assumidas nos contratos de seguros e planos de previdência. O problema é que os créditos de carbono, em sua maioria, são ativos de longo prazo, enquanto muitas operações das seguradoras exigem liquidez imediata.
“A questão não é apenas o percentual, mas sim a abertura de um precedente para que o Congresso passe a destinar as reservas do setor para diferentes finalidades”, alerta Ernesto Tzirulnik, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS).
Além disso, a regulamentação dessa nova obrigação ainda precisa ser detalhada por diferentes órgãos reguladores, incluindo o Conselho Monetário Nacional (CMN), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e a Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Uma das maiores dúvidas do setor é se o mercado de carbono brasileiro tem capacidade suficiente para absorver um volume tão grande de investimentos. Hoje, o país opera apenas um mercado voluntário, que movimenta créditos gerados por projetos privados de redução de emissões. Esse mercado, no entanto, ainda não possui a infraestrutura exigida pelas normas regulatórias, como negociação em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado.
O governo, por sua vez, argumenta que a regulamentação do SBCE vai criar um mercado mais robusto, seguro e confiável, permitindo que os créditos de carbono sejam negociados como qualquer outro ativo financeiro.
“Precisamos garantir que haja um equilíbrio entre oferta e demanda. O potencial de crescimento desse mercado é enorme, mas a transição precisa ser feita de forma cuidadosa”, afirmou Cristina Reis, subsecretária de desenvolvimento econômico sustentável do Ministério da Fazenda.
Além disso, o mercado voluntário de créditos de carbono tem enfrentado fortes críticas e instabilidade, com uma queda acentuada nos preços dos ativos nos últimos dois anos. Investigações revelaram irregularidades em projetos REDD+, que geram créditos a partir da conservação de florestas. Algumas dessas iniciativas foram acusadas de superestimar seus impactos ambientais e de explorar comunidades indígenas e locais, levantando dúvidas sobre a credibilidade do setor.
A imposição dessa nova alocação de ativos acontece em um momento de transformação global. A transição para uma economia de baixo carbono exige investimentos significativos, e o setor financeiro desempenha um papel estratégico nesse processo. Bancos, fundos de investimento e seguradoras são cada vez mais pressionados a direcionar recursos para ativos sustentáveis, e a lei do mercado de carbono brasileiro segue essa tendência.
Entretanto, para que essa transição seja bem-sucedida, é fundamental que haja segurança jurídica, previsibilidade e estabilidade regulatória. O governo se comprometeu a realizar um amplo processo de diálogo com os agentes do setor para garantir que a regulamentação seja equilibrada e eficaz.
No entanto, alguns pontos ainda permanecem incertos:
A decisão de vincular as reservas técnicas das seguradoras ao mercado de carbono pode ser vista como um marco na regulação financeira brasileira. Se bem implementada, a medida pode transformar o Brasil em um dos principais polos globais de negociação de créditos de carbono, atraindo investimentos e incentivando práticas sustentáveis.
No entanto, se a regulação for precipitada ou excessivamente rígida, há o risco de desestabilizar um setor que movimenta trilhões de reais, impactando desde planos de previdência até seguros patrimoniais e de vida.
O desafio agora é encontrar o equilíbrio entre responsabilidade ambiental e segurança econômica. O mercado de carbono tem potencial para se tornar uma ferramenta poderosa de mitigação climática, mas precisa ser estruturado com transparência, governança e credibilidade.
As próximas semanas serão cruciais para definir os rumos dessa nova obrigação para as seguradoras e o futuro do mercado de carbono no Brasil. O setor financeiro, o governo e os investidores aguardam com expectativa e cautela os desdobramentos dessa nova regulamentação.
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