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Animais marinhos da Antártida ingerem microplásticos desde 1980, Aponta Pesquisa

Estudo conduzido por cientistas do Instituto Oceanográfico (IO) da USP revela que, desde a década de 1980, animais marinhos da Antártida têm ingerido microplásticos. A pesquisa, que analisou o conteúdo digestivo de mais de 100 organismos de águas profundas do Oceano Austral entre 1986 e 2016, detectou microdetritos em cerca de 30% dos espécimes examinados. Entre os fragmentos encontrados, estavam fibras plásticas de materiais como poliamida, poliéster e polietileno.

Registro mais antigo de microplástico

O estudo traz como principal descoberta o registro mais antigo de microplástico na região: uma fibra azul, de aproximadamente 2 mm, encontrada em fevereiro de 1986 no trato digestivo de um misidáceo (um crustáceo semelhante a um camarão), coletado nas proximidades da Península Antártica. A fibra era feita de polisulfona, um polímero plástico resistente ao calor, frequentemente utilizado em revestimentos de fios elétricos e encanamentos, o que sugere que o fragmento poderia ter origem em materiais usados nas estações de pesquisa da área.

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Publicado na revista Environmental Science & Technology, o estudo reforça a noção de que, apesar da Antártida ser um dos ambientes mais remotos e menos habitados do planeta, ela não está imune à poluição provocada por atividades humanas, incluindo no fundo do mar. “Esperávamos encontrar microplásticos, mas não imaginávamos que a contaminação fosse tão significativa”, disse Gabriel Stefanelli Silva, biólogo e autor da pesquisa, que foi realizada durante seu doutorado no IO, sob a supervisão do professor Paulo Sumida.

Análise da pesquisa

A pesquisa analisou o conteúdo digestivo de 169 animais bentônicos (organismos que habitam ou estão associados ao fundo marinho) de 15 espécies, como pepinos-do-mar, estrelas-do-mar, ofiuroides, poliquetas e camarões. Utilizando rigorosos procedimentos para evitar contaminações externas, como as de roupas e equipamentos dos pesquisadores, os cientistas encontraram 85 microfibras dentro de 53 dos 169 organismos estudados.

A identificação precisa dos materiais foi desafiadora. Dos 85 fragmentos encontrados, apenas sete foram confirmados como plásticos sintéticos através de espectroscopia. Contudo, os cientistas acreditam que a quantidade real de microplásticos seja maior, já que a caracterização completa das amostras não foi possível.

Influência dos métodos alimentares

O estudo também buscou entender como os métodos alimentares influenciam a ingestão desses microdetritos pelos animais bentônicos. Organismos como pepinos-do-mar e ofiuroides, que capturam partículas tanto do sedimento quanto da água, apresentaram maior quantidade de fibras em seus sistemas digestivos. Os pesquisadores sugerem que esses organismos possam servir como “sentinelas” para monitorar a poluição por microplásticos em ambientes de mar profundo na Antártida, função similar à que moluscos como mexilhões desempenham em águas mais rasas.

Além disso, outras pesquisas já haviam identificado microfibras no trato digestivo de animais como pinguins, focas, peixes e moluscos da Antártida, mas os organismos bentônicos são considerados os melhores indicadores da contaminação por microdetritos no fundo marinho.

Poluição plástica

A poluição plástica é reconhecida globalmente como um dos maiores problemas ambientais. Esses resíduos se fragmentam em partículas menores, os microplásticos, que permanecem no ambiente por séculos sem se decompor. Fibras sintéticas, como as de poliéster e poliamida, são fontes comuns de microplásticos, sendo geradas principalmente durante a lavagem de roupas.

Embora a origem exata dos fragmentos encontrados seja incerta, é possível que eles tenham vindo de atividades tanto de pesquisa quanto de turismo na Antártida, áreas que, em muitos casos, não possuem sistemas adequados de tratamento de esgoto. A pesquisa sugere que as correntes oceânicas ou até mesmo o transporte atmosférico poderiam ter trazido esses materiais de regiões distantes.

Barreira natural da Antártida

A Antártida possui uma barreira natural, conhecida como Convergência Antártica, que impede a entrada de organismos e detritos flutuantes de outras regiões do oceano. Contudo, essa barreira não parece ser eficaz contra os microdetritos, que podem atravessá-la facilmente.

Os cientistas especulam que a contaminação por microplásticos na região pode ter começado ainda antes de 1986, com a intensificação da construção de estações de pesquisa e a produção de plásticos no mundo a partir da década de 1950. A Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), do Brasil, localizada na Ilha do Rei George, por exemplo, foi inaugurada em 1984, e embora tenha sistemas de reúso de água e tratamento de esgoto, ainda não existem tecnologias específicas para filtrar microplásticos.

Com mais de 70 estações de pesquisa na Antártida, mantidas por diversos países, a poluição plástica na região é uma preocupação crescente. De acordo com um estudo recente, cerca de metade dessas estações não conta com sistemas adequados de tratamento de esgoto, o que agrava a situação.

Importância das coleções biológicas

A pesquisa também destaca a importância das coleções biológicas, que possibilitaram o estudo dos animais analisados. Essas coleções, mantidas por instituições acadêmicas, são essenciais para preservar dados valiosos sobre os impactos ambientais ao longo do tempo. Os pesquisadores alertam, no entanto, para a falta de recursos que essas coleções enfrentam, o que pode comprometer a continuidade da pesquisa científica.

Este trabalho contou com a colaboração de diversas instituições, incluindo a Universidade do Havaí e a Universidade de São Paulo, e contribui para um melhor entendimento dos efeitos da poluição plástica em ambientes remotos como a Antártida.

Redação Revista Amazônia

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