Economia

Moda sustentável da Amazônia: artesanato do Acre chega à ONU e Vogue

No coração da floresta amazônica, no estado do Acre, surge uma narrativa que combina arte, identidade e economia. Ali, artesãs e artesãos se reúnem para transformar aquilo que a natureza dá — sementes, fibras, madeiras — em peças de profundo significado e valor estético. Cada colar, cada pulseira, cada biojoia revela horas — às vezes dias — de dedicação, mas também revela um pensamento coletivo: o valor de uma semente isolada, quase despercebida, se revela quando unida a outras, compondo padrões, cores, símbolos.

Esse trabalho manual, que carrega a herança dos povos indígenas, como o Huni Kuin e o Kaxinawá, assume papel de protagonista para centenas de mulheres que habitam aldeias nos municípios de Tarauacá, Jordão, Cruzeiro do Sul e outras regiões do Acre. No âmbito dessas comunidades, por meio de associações como a Apaminktaj, mais de 500 mulheres se organizam para cultivar algodão, usar pigmentos naturais como açafrão e mogno, fiar as linhas, tecer mantas, criar colares e tiaras. Um ciclo que se inicia no solo da floresta e chega aos salões de feiras, às vitrines de cidade grande, ao exterior.

Na loja Bari da Amazônia, em Rio Branco, essas peças ganham corpo e visibilidade. Ali chega o trabalho repetido, ancestral, cada desenho com seu significado. A artesã Raimunda Nonata, do povo Huni Kuin, lembra que aprendeu a tecer com sua avó, que ensinou à mãe, que ensinou a ela. Esse elo entre gerações traduz que o artesanato não é apenas produção: é memória viva, é identidade, é afirmação cultural. A matéria-prima: o algodão plantado por elas mesmas; a pigmentação: ingredientes da floresta. O resultado: um artesanato que gera renda, que valoriza a cultura, que afirma o pertencimento.

Outro exemplo vem de Maria José Menezes. Artesã por 35 anos, ela trabalha com biojoias, pintura em camisetas, telas e quadros. Coleta pessoalmente sementes de açaí, paxiubão, fibra de buriti ou recebe pela cooperativa. “Nós vendemos história”, diz ela. E é verdade: o valor da peça transcende a estética — ela encarna uma trajetória, um vínculo natural, uma transformação criativa.

Foto: Marcos Rocha

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O artesanato no Acre deixou de ser apenas arte alternativa. Hoje, ele assume papel econômico estratégico. Em feiras como a 25ª Feira Nacional de Negócios de Artesanato (Fenearte), artesãos acreanos faturaram centenas de milhares de reais. São mais de dois mil profissionais cadastrados no estado, majoritariamente mulheres, movidas por autonomia, renda e expressão cultural. A entidade Sebrae/AC, citada como parceira de longa data, atua na capacitação, no acesso a mercado, na formalização, no design, na precificação — fortalecendo a cadeia produtiva como um todo.

Essa trajetória carrega lições: primeiro, que economia e floresta não são opostos. O artesanato das sementes e madeiras da Amazônia mostra que é possível extrair valor sem destruir; segundo, que a valorização da cultura tradicional e dos saberes indígenas pode abrir portas no mercado global; terceiro, que a cooperação entre artesãos, cooperativas e instituições gera escala, estrutura e visibilidade. Para quem vê apenas o colar pronto, talvez pareça simples. Mas por trás de cada peça há plantio, colheita, processo artesanal, design, comercialização e empoderamento.

E o alcance vai além do estado do Acre. Algumas destas peças já cruzaram fronteiras, chegaram ao exterior, viraram material de desfile, foram publicadas em revistas internacionais. Nesse ponto, arte local se torna arte global. As mulheres que tecem sonhos e sementes assumem o protagonismo da economia solidária, da cultura amazônica, da sustentabilidade.

Para o Acre, o artesanato é porto de identidade e estrada para o mundo. Cada biojoia carrega uma história de floresta, de comunidade, de técnica e de feminilidade empreendedora. É mais que um acessório: é símbolo de resistência, de conexão com a terra e de possibilidade. E nessa junção entre natureza, cultura e mercado reside um modelo que merece ser visto — e replicado.

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