Foto: @Rudegalvenus
Belém, 13 de novembro de 2025. Na orla movimentada pela Cúpula dos Povos, o feminismo popular emergiu mais uma vez como um território vivo de resistência, entrelaçado às lutas por justiça climática e por direitos que moldam o cotidiano de mulheres de múltiplas origens. A cena que se desenhava ali — indígenas, negras, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras, camponesas e mulheres das periferias urbanas — revelava a força de uma aliança histórica. Elas não chegaram agora. São protagonistas de um percurso que atravessa décadas, territórios e rupturas, sustentando práticas de cuidado, defesa ambiental e organização comunitária que, muitas vezes, garantam a sobrevivência das próprias florestas.
Esse protagonismo diverso tem raízes profundas. Eunice Guedes, articuladora da Marcha Mundial das Mulheres (MMM), recordou que a presença ativa das mulheres nas pautas ecológicas e territoriais remonta ao início dos anos 1990. Foi no Fórum Global da Rio-92, por exemplo, que emergiu o espaço Planeta Fêmea, um marco na articulação entre direitos das mulheres e crise ambiental. Desde então, afirma ela, a defesa da vida nos territórios passa necessariamente pela defesa das mulheres em toda sua diversidade. Nesse percurso, feminismo popular e justiça climática seguem caminhando lado a lado, formando uma espinha dorsal de resistência frente a projetos econômicos que ampliam desigualdades e empurram comunidades inteiras para situações de risco.
Guedes reforçou que os impactos da crise climática não se distribuem de maneira uniforme. Eles recaem com violência sobre mulheres, meninas e pessoas trans que vivem nas margens — especialmente no Sul global. Não se trata, para ela, de tragédias naturais, mas de fenômenos produzidos por desigualdades históricas. Quando enchentes, secas extremas, queimadas ou deslocamentos forçados irrompem, as vulnerabilidades já existentes se intensificam. Perdas afetivas, rupturas familiares e episódios de violência em abrigos temporários transformam eventos ambientais em crises sociais profundas. A fala de Eunice ecoou a urgência de reconhecer que a justiça climática é inseparável da justiça de gênero.
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A Marcha em Defesa do Território e Contra os Grandes Empreendimentos e o Crédito de Carbono, conduzida pela liderança Munduruku Ediene Kirixi, fez da Cúpula dos Povos não apenas um espaço de debate, mas de movimento. Ediene caminhou ao lado de caciques, jovens e anciãs para denunciar pressões que se abatem sobre os modos de vida tradicionais — desde projetos de mineração e hidrelétricas até iniciativas de compensação de carbono que afetam diretamente o uso da terra pelas comunidades. Para ela, o feminismo popular é uma força de reexistência: uma forma de seguir vivendo apesar das ameaças, recriando caminhos onde o Estado e as corporações abrem feridas.
Em sua fala, Ediene lembrou que corpos e territórios indígenas são atravessados pelos mesmos conflitos. A violência sobre a terra é extensão da violência sobre as mulheres. Mas são elas também que garantem a continuidade da vida: cuidam das sementes, das águas, das casas, dos mais velhos e das crianças. Por isso, discutir aquecimento global, desmatamento ou transição ecológica sem colocar as mulheres no centro é, segundo ela, escolher não enxergar parte decisiva da crise.
Entre as proposições do eixo 6 da Cúpula, destacou-se a defesa do direito ao território, o livre acesso aos babaçuais e o fortalecimento de práticas agrícolas e extrativistas baseadas na agroecologia e na economia solidária. Essas agendas representam mais do que reivindicações setoriais: apontam modos de produção e de organização que garantem comida de qualidade, autonomia comunitária e conservação da sociobiodiversidade.
O debate que atravessou o dia deixou claro que as mulheres não apenas resistem: elas movem territórios. São capazes de costurar redes de cuidado em meio ao colapso, reconstruir economias locais e renovar formas de convivência com a natureza. Seus saberes, acumulados ao longo de gerações, confrontam diretamente a lógica de exploração que alimenta a crise climática. Em tempos de emergência ambiental, sua ação se revela não apenas necessária, mas indispensável.
Se a transição ecológica é inevitável, ela não pode ocorrer sem as mulheres. Não há florestas em pé, soberania alimentar ou soberania territorial sem sua liderança. Na Cúpula dos Povos, a mensagem foi inequívoca: o futuro só será justo se for feminista, popular e profundamente enraizado nos territórios.
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