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Aquecidos pelo avanço das mudanças climáticas, os oceanos começam a liberar um inimigo silencioso: o metano aprisionado há milênios sob o leito marinho. Um novo estudo liderado pela Universidade de Newcastle, no Reino Unido, revela que o aquecimento global está desestabilizando grandes reservatórios de hidrato de metano — um tipo de gelo inflamável — nas profundezas do Atlântico, ao largo da costa da Mauritânia.
O trabalho, publicado na revista Nature Geoscience, mostra que parte desse metano, antes congelado sob pressão e frio intensos, se desprendeu e percorreu mais de 40 quilômetros até escapar por crateras submersas conhecidas como pockmarks. A descoberta é um alerta: se esse processo se intensificar, ele poderá liberar quantidades gigantescas de um dos gases de efeito estufa mais potentes do planeta.
O metano é cerca de 80 vezes mais eficiente que o dióxido de carbono em reter calor na atmosfera durante os primeiros 20 anos após sua emissão. Quando congelado em forma de hidrato, ele permanece estável nas camadas frias e pressurizadas do fundo oceânico. Mas à medida que a temperatura dos mares sobe, essa estrutura começa a se desfazer, liberando o gás e criando uma reação em cadeia potencialmente catastrófica.
Foi justamente isso que a equipe do geólogo Richard Davies, pró-reitor de Globalização e Sustentabilidade da Universidade de Newcastle, encontrou nas imagens sísmicas tridimensionais da plataforma continental da Mauritânia. O pesquisador relata que o achado ocorreu por acaso, durante o período de lockdown da pandemia de Covid-19. Ao revisar dados antigos, Davies identificou 23 pockmarks — depressões formadas pela expulsão de metano das camadas subterrâneas.
Essas formações revelaram uma movimentação surpreendente: o gás havia migrado dezenas de quilômetros, desde as zonas mais profundas de estabilidade até a borda da plataforma submarina. Isso indica que, ao contrário do que se acreditava, o metano não está preso em regiões imunes ao aquecimento.
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Por muito tempo, os cientistas acreditaram que apenas os hidratos mais rasos eram vulneráveis às variações climáticas. Essa hipótese é agora desafiada pelos dados do novo estudo, que envolveu também o GEOMAR Helmholtz Centre for Ocean Research Kiel, na Alemanha.
Christian Berndt, chefe da Unidade de Geodinâmica Marinha do GEOMAR e coautor da pesquisa, afirma que os resultados “mostram claramente que volumes muito maiores de metano podem ser liberados dos hidratos marinhos do que imaginávamos”. Para ele, entender a escala e a velocidade desse fenômeno é essencial para dimensionar seu papel no sistema climático global.
Os pesquisadores alertam que a desestabilização desses hidratos pode criar um ciclo de retroalimentação perigoso: mais aquecimento leva à liberação de mais metano, o que, por sua vez, intensifica o efeito estufa e aquece ainda mais o planeta. Embora parte do gás possa ser consumida por microrganismos antes de alcançar a atmosfera, o volume e a velocidade de liberação determinarão o impacto final.
A equipe de Davies e Berndt planeja agora uma expedição científica para perfurar os pockmarks identificados e buscar indícios de eventos passados de liberação de metano. Com isso, esperam prever quais áreas dos oceanos correm maior risco à medida que o planeta aquece.
O estudo também reforça a necessidade de incluir os hidratos de metano nos modelos climáticos globais. Esses reservatórios — que armazenam cerca de 1.800 gigatoneladas de carbono — representam uma ameaça latente. Uma liberação súbita e em larga escala poderia reconfigurar o ritmo do aquecimento global em poucas décadas.
Por enquanto, os cientistas permanecem atentos às profundezas — onde o futuro climático da Terra pode estar, literalmente, derretendo.
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