Imagem: Pedro Henrique Reali Pozzi
“É incrível, é incrível. Não tenho outra palavra para descrever.” Foi assim que o biólogo Marcos Roberto de Brito expressou a emoção de ver uma onça de perto pela primeira vez.
Brito é o autor principal de um estudo recente que investigou um comportamento único das onças-pintadas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no médio Solimões: durante as cheias anuais, que inundam a floresta por até quatro meses, esses felinos passam a viver no topo das árvores, onde caçam, procriam e cuidam de seus filhotes.
Entre 2011 e 2020, pesquisadores do Instituto Mamirauá monitoraram 14 onças-pintadas (Panthera onca) na reserva, utilizando colares com GPS. Localizada entre os rios Solimões e Japurá, a região é conhecida por suas cheias que podem elevar o nível das águas em até 10 metros, em média, submergindo as florestas de várzea. Em alguns pontos, a inundação chega a 16 metros, transformando a paisagem em um labirinto aquático.
Guilherme Alvarenga, biólogo e coautor da pesquisa, destaca a surpreendente adaptação das onças. “Quando o rio começa a encher, animais como antas e porcos-do-mato migram para áreas mais altas. Era de se esperar que as onças os seguissem, mas na Reserva Mamirauá isso não é possível, pois a área é cercada por dois grandes rios”, explica. “As onças, então, se adaptaram a viver nas copas das árvores, um comportamento único no mundo.”
Viver nas árvores é uma tarefa árdua para as onças. Saltar entre galhos, subir e descer troncos e nadar de árvore em árvore exige grande esforço físico, especialmente em um período de escassez de presas. Inicialmente, os pesquisadores acreditavam que as onças reduziriam seus territórios durante as cheias para economizar energia. No entanto, os dados mostraram o contrário: algumas onças até expandiram suas áreas de vida nesse período.
“Para uma onça, manter um território é tão custoso que ela faz de tudo para preservá-lo, seja na seca ou na cheia”, explica Guilherme. Os territórios das onças monitoradas variaram de 50 a 373,6 km², sem mudanças significativas entre as estações. A pergunta que surgiu foi: o que elas comem durante as cheias, quando as presas terrestres desaparecem?
Brito teve a sorte de observar onças em ação. “Elas dormem durante o dia para economizar energia e caçam à noite. Vi uma onça capturar um bugio que pulava entre os galhos”, relata. A hipótese dos pesquisadores é que as onças passam a aguardar suas presas em emboscadas, em vez de caçá-las ativamente, para poupar energia. Macacos e preguiças, abundantes na reserva, tornam-se suas principais fontes de alimento.
Natural do Rio Grande do Norte, Brito chegou a Mamirauá em 2019, quando a pesquisa já estava em andamento. Antes dedicado ao estudo de borboletas, ele se viu envolvido em expedições para capturar e equipar onças com colares GPS. “Tudo na Amazônia é difícil, caro e distante”, conta. As expedições duram 30 dias, com a equipe baseada em uma estrutura flutuante. Armadilhas são espalhadas pela floresta, e cada uma é monitorada para evitar que o animal fique preso por muito tempo.
Quando uma onça é capturada, a equipe avança com cuidado. Um dardo tranquilizante é disparado à distância, e o animal é medido, pesado e equipado com o colar. Brito lembra da primeira vez que viu uma onça de perto: “Era o Xangô, com cerca de 60 quilos. As onças de Mamirauá são menores, mas ainda assim impressionantemente fortes. Ver ele ali, dormindo, foi sensacional.”
Cada expedição envolve uma equipe de cinco pessoas, incluindo pesquisadores, uma veterinária e assistentes locais. O custo é alto: cada colar GPS custa cerca de 2.500 dólares, e uma expedição pode consumir até 50 mil reais.
Dois assistentes locais, Lázaro Pinto dos Santos e Railgler Gomes dos Santos, foram fundamentais para o sucesso da pesquisa. Moradores da reserva, eles tinham um conhecimento profundo da floresta e das onças. “Lazinho sabia exatamente onde colocar as armadilhas. Ele conhecia os hábitos dos animais como ninguém”, relembra Brito. Infelizmente, ambos faleceram: Lazinho, por problemas cardíacos em 2023, e Raí, em um afogamento em 2020. Em homenagem, foram creditados como coautores do estudo.
A pesquisa com onças em Mamirauá começou nos anos 2000, liderada por Emiliano Ramalho, atual coordenador do grupo de estudos sobre felinos do Instituto Mamirauá. Desde o início, o conhecimento tradicional dos ribeirinhos foi essencial. Foram eles que alertaram os pesquisadores sobre o comportamento das onças durante as cheias, informação que só pôde ser confirmada com o uso de tecnologia de monitoramento.
As onças-pintadas são encontradas desde o México até a Argentina, mas apenas em Mamirauá elas vivem nas copas das árvores durante as cheias. No entanto, os ciclos de seca e cheia na Amazônia estão mudando. Entre 2023 e 2024, secas recordes atingiram a região, enquanto em 2021 houve uma cheia histórica. Essas mudanças são influenciadas por fenômenos como El Niño e La Niña, que estão se tornando mais frequentes e intensos devido ao aquecimento global.
“O aquecimento global está acelerando essas mudanças”, explica o hidrólogo Jhan-Carlo Espinoza. “Secas prolongadas reduzem a umidade da floresta e aumentam a mortalidade das árvores, enquanto cheias extremas expõem as onças a períodos mais longos de escassez de alimentos.”
Considerada vulnerável pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), a onça-pintada enfrenta ameaças como o desmatamento e os conflitos com humanos. Na Amazônia, as mudanças climáticas representam mais um desafio para a sobrevivência desses felinos, cuja adaptação única às cheias pode estar em risco diante de um futuro incerto.
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