Primeira evidência de microplásticos no estômago de macacos arborícolas acende alerta na Amazônia

Uma descoberta chocante emergiu da floresta amazônica: pesquisadores do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá identificaram fibras de microplástico no estômago de guaribas-vermelhos (Alouatta juara), primatas estritamente arborícolas que habitam as copas das árvores. O estudo, publicado em EcoHealth, marca a primeira vez que se encontram resíduos plásticos em macacos que vivem longe do solo, numa região ainda considerada preservada.

O trabalho acende um alerta urgente sobre o alcance invisível da poluição plástica — não apenas nos rios, solos e oceanos, mas nas várzeas inundadas, na vegetação erguida, nos animais que habitam o verde das alturas. Esse é um problema emergente cujas dimensões ecológicas, sanitárias e culturais exigem reflexão imediata.

Metodologia, achados e hipóteses

Os pesquisadores examinaram o conteúdo estomacal de 47 guaribas doados por caçadores de subsistência em duas Reservas de Desenvolvimento Sustentável no Amazonas: Mamirauá e Amanã. Os animais haviam sido caçados entre 2002 e 2017, e os estômagos, normalmente descartados, foram doados às pesquisas — nenhum macaco foi abatido para esse propósito.

Em dois desses 47 guaribas, ambos oriundos de florestas de várzea durante o período de cheia, foram detectadas partículas plásticas menores que 5 milímetros. Essas partículas apresentavam características como as de fibras ou filamentos, com pigmentação verde, tamanho entre 1 mm e 5 mm, sugerindo origem provável em resíduos de redes de pesca abandonadas, conhecidas como “redes fantasmas”.

Não se trata de um contato direto com o solo ou lixo visível, mas de um efeito indireto da hidráulica da natureza: quando os rios sobem, fragmentos plásticos depositados nas margens ou abandonados em redes aquáticas são carregados pela água e aderem à vegetação ou caem nas copas das árvores, alcançando animais que, até então, se acreditava, estivessem menos expostos.

Foto: reisegraf.ch / Shutterstock.com

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Impactos potenciais e implicações

A presença de microplásticos no estômago de guaribas tem repercussões que vão além da simples curiosidade científica. Em termos ecológicos, esses primatas folívoros desempenham papel fundamental na dispersão de sementes, manutenção da estrutura da vegetação e equilíbrio dos ecossistemas florestais. Contaminações digestivas, incapacidades de absorver nutrientes ou efeitos tóxicos graves podem comprometer essas funções.

Em termos sanitários, há preocupação sobre bioacumulação: famílias que caçam para subsistência, que consomem carne desses macacos e utilizam produtos naturais da floresta há possibilidade de que microplásticos presentes nos animais cheguem à dieta humana. Além disso, sabe-se por outros estudos que microplásticos e partículas associadas a eles podem carregar substâncias químicas perigosas, provocar inflamações, estresse oxidativo ou interferir no funcionamento metabólico.

A descoberta também desafia suposições: que animais arborícolas, que raramente tocam solo ou água poluída, estariam relativamente protegidos da poluição plástica. Esse paradigma cai por terra com evidência concreta de que a poluição hidrometeorológica: cheias, vazantes, correntes de água, pode levar fragmentos plásticos a alcançar a copa das florestas.

Recomendações, urgência e caminhos adiante

Diante desses achados, pesquisadores enfatizam que há lacunas críticas no conhecimento: ainda não sabemos o quanto isso afeta a saúde reprodutiva dos guaribas, ou sua longevidade; não se mensurou a carga química contida nas partículas encontradas; não há mapeamento consistente de quantas espécies arborícolas ou florestais mais amplas já são ou serão afetadas.

Políticas públicas são urgentes. Entre as medidas sugeridas estão a regulação sobre descarte de redes de pesca, limpeza de rios, uso de materiais alternativos, educação ambiental nas comunidades ribeirinhas, monitoramento sistemático da fauna silvestre para microplásticos. Também é essencial que programas de saúde pública considerem esse vetor de contaminação emergente.

Para as comunidades tradicionais e indígenas que dependem da fauna e flora amazônicas, esse problema não é abstrato: pode comprometer seus modos de vida, sua cultura e sua alimentação. Isso reforça que a poluição plástica não é uma questão apenas ambiental, mas uma questão de justiça social, ecológica e de direitos humanos.

A evidência de microplásticos no estômago de guaribas-vermelhos representa muito mais que um dado curioso de campo: é um espelho do que nossa era plástica provoca, invisivelmente, nos recantos mais verdes da Terra. Esse achado pedirá novas prioridades nas políticas ambientais, uma atuação coordenada entre ciência, governo e comunidades para conter a fragmentação do plástico e reparar a integridade dos ecossistemas amazônicos.

A Amazônia, além de pulmão do planeta, mostra-se também como receptor involuntário de resíduos do mundo e como palco em que todos estamos interligados, inclusive por aquilo que descartamos.

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