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Na abertura da grande conferência climática que ocorre em Belém, emergiu um pacto singular, capaz de alterar a forma como o mundo encara tanto clima quanto justiça. No dia 7 de novembro de 2025, os representantes reunidos firmaram a Declaração de Belém sobre o Combate ao Racismo Ambiental — um documento que rompe com a velha dicotomia entre meio ambiente e direitos humanos, afirmando que a devastação ecológica é também um espelho das desigualdades raciais do passado e do presente.
Ao longo do texto, reconhece-se que legados de colonialismo, discriminação persistente e exclusão das decisões nacionais e internacionais foram — e são — responsáveis por que determinados grupos, como afrodescendentes, povos indígenas e comunidades locais tradicionais, suportem o ônus maior da degradação ambiental, da poluição e dos riscos climáticos. A crise da Terra, como se afirma, é simultaneamente crise da justiça racial. A Declaração convoca todas as nações a ampliarem seu olhar: não basta salvar florestas ou reduzir emissões — é necessário transformar quem decide, quem participa, quem usufrui dos recursos e quem fica à margem.
Essa nova narrativa propõe uma agenda integrada, onde a erradicação da pobreza, a promoção da igualdade étnico-racial e a proteção ambiental caminham de mãos dadas. O desenvolvimento sustentável ganha sentido apenas quando equidade e celebração dos saberes tradicionais se ancoram na ação concreta. A pertinência desse movimento torna-se ainda mais forte em Belém, porta de entrada da Amazônia, onde a própria paisagem testemunha os dilemas ecológicos e humanos entrelaçados.
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A Declaração chega também em momento emblemático: o Brasil, como país-anfitrião da COP30, articula internamente o vínculo entre as agendas climática e de igualdade étnico-racial. Ainda no âmbito da presidência do G20, houve menção à promoção da igualdade étnico-racial como novo objetivo de desenvolvimento sustentável voluntário. Nesse contexto, a Declaração de Belém simboliza a tentativa de internacionalizar essa convergência, convidando outros Estados a se engajarem num compromisso que ultrapassa fronteiras.
Ainda que o documento assuma caráter de apelo mais do que obrigação vinculante, seus endossos iniciais — Brasil, Colômbia, Equador, China, Moçambique, Bolívia, entre outros — mostram uma diversidade geográfica e cultural sugerindo que a reflexão não é mais periférica, mas central. A adesão aberta durante a COP30 sinaliza que a construção será coletiva. No entanto, a verdadeira prova será a implementação: como converter palavras em mecanismos que permitam participação plena de comunidades historicamente excluídas? Como assegurar que os recursos para adaptação, mitigação, conservação e compensações cheguem às suas terras, seus territórios, seus corpos?
A escolha de Belém como palco não é acidental. As florestas amazônicas testemunham, todos os dias, como extração, turismo, agronegócio, mudança climática e o legado colonial convergem em uma crise que ultrapassa árvores e carbono. Ao afirmar que a crise ecológica é também racial, a Declaração desafia diplomatas, negociadores e ativistas a repensarem suas prioridades, seus cronogramas, suas métricas. É um chamado para que o combate ao cambio climático se abra ao protagonismo de quem sempre esteve na linha de frente da natureza — e da história.
Esse pacto exige que a diplomacia climática, e não apenas os técnicos, adotem lentes de justiça. Que os mecanismos de financiamento não só fluam, mas cheguem com equidade. Que a ciência converse com saberes ancestrais. Que a proteção das florestas signifique mais do que evitar o desmatamento — significa proteger povos, culturas, memórias. Em outras palavras, que a sustentabilidade envolva vidas.
Enquanto a COP30 avança, a Declaração de Belém joga luz sobre uma ideia simples, porém negligenciada: não existe clima justo sem justiça racial. E não existe justiça racial fora de um planeta habitável. A promessa agora é pôr este duplo imperativo no centro das negociações. E cabe aos países, às comunidades, às instituições garantirem que esse pacto saia dos discursos e entre no mundo concreto das leis, dos fundos, das decisões, das vidas.
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