Meio Ambiente

Rios alaranjados no Alasca expõem crise climática e ameaça tóxica para peixes

Nos confins do norte do Alasca, um fenômeno inusitado e preocupante está transformando a paisagem: rios cristalinos estão ficando alaranjados. O que poderia ser confundido com o impacto de atividades de mineração, na verdade, é resultado direto do derretimento do permafrost, camada de solo permanentemente congelado que, ao descongelar, libera metais tóxicos há milênios retidos no subsolo.

Como os rios mudam de cor

Em regiões mineradoras, a coloração enferrujada das águas é normalmente associada à drenagem ácida de minas (AMD), processo em que minerais sulfetados entram em contato com ar e água, oxidando e liberando ferro, cobre, chumbo e mercúrio. No Alasca, contudo, não há minas: o aquecimento global está descongelando o permafrost e alterando a química da paisagem, produzindo um efeito visual e ambiental semelhante ao da AMD.

Segundo pesquisadores, a água e o oxigênio estão atingindo minerais sulfetados antes intocados, acelerando reações químicas que contaminam os rios. O resultado é uma precipitação de ferro que colore os leitos com tons de vermelho, laranja e amarelo, enquanto metais dissolvidos tornam os ecossistemas aquáticos mais ácidos e tóxicos.

O caso do Rio Salmon

O Rio Salmon, que até 2019 exibia águas claras, tornou-se símbolo dessa transformação. Desde então, a coloração alaranjada persiste e levantou a questão central: quão tóxica se tornou essa água? Coletas realizadas entre 2022 e 2023 revelaram níveis de metais acima dos limites de segurança estabelecidos pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) para a vida aquática.

Entre os achados, o mais alarmante foi a presença de cádmio dissolvido, metal raro em ecossistemas aquáticos, mas altamente tóxico. Ele pode se acumular nos tecidos dos peixes, provocar efeitos neurotóxicos e alterar o comportamento, reduzindo suas chances de sobrevivência. Predadores como ursos e outros mamíferos que se alimentam desses peixes correm riscos de sofrer estresse oxidativo e danos ao DNA.

David Goldman/AP Photo

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Consequências para comunidades locais

Embora os níveis atuais de contaminação não sejam considerados perigosos para o consumo humano, há riscos indiretos. O salmão chum, por exemplo, fundamental para a subsistência de comunidades indígenas da região, pode enfrentar dificuldades para desovar em leitos de cascalho entupidos por sedimentos finos. Isso ameaça não apenas a biodiversidade local, mas também a segurança alimentar e cultural dessas populações.

Um padrão que se espalha

O Rio Salmon não é caso isolado. Um estudo publicado em 2024 já havia identificado 75 rios e córregos da Cordilheira Brooks com coloração alaranjada e elevada turbidez. Com o avanço do aquecimento global, a tendência é que mais cursos d’água passem por esse processo de degradação, sem infraestrutura capaz de contê-lo.

“Existem poucos lugares tão intocados quanto esses rios”, afirmou um dos pesquisadores envolvidos. “Mas mesmo aqui, longe de cidades e estradas, a marca do aquecimento global é inconfundível. Nenhum lugar está a salvo.”

O desafio global

O fenômeno dos rios alaranjados no Ártico expõe de forma dramática como a crise climática não respeita fronteiras. A liberação de metais tóxicos do permafrost ameaça cadeias alimentares inteiras e pode comprometer a resiliência dos ecossistemas locais. Ao mesmo tempo, serve de alerta para o mundo: os impactos do aquecimento não são uma abstração futura, mas uma realidade já em curso, mesmo nas regiões mais remotas do planeta.

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