Foto: Fabricio Carrijo
A água sempre foi a espinha dorsal da vida amazônica, moldando rios, florestas, cidades e modos de viver. Mas as projeções climáticas indicam que esse pilar pode se tornar cada vez mais frágil nas próximas décadas. Um estudo conduzido pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico em parceria com o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul revela um cenário preocupante: até 2040, a vazão média dos rios brasileiros deve cair de forma generalizada, com perdas particularmente severas na Amazônia, onde a redução pode chegar a 50%.
Os dados mostram que a maior bacia hidrográfica do planeta não está imune aos efeitos do aquecimento global. Pelo contrário, ela figura entre as regiões mais vulneráveis. Rios fundamentais para o equilíbrio ambiental e econômico da região, como Juruá, Purus, Tapajós e Xingu, todos afluentes do Rio Amazonas, devem registrar as quedas mais intensas de vazão. Mesmo reduções relativamente menores no volume de chuvas, estimadas entre 10% e 15%, podem resultar em perdas muito mais expressivas no fluxo dos rios, evidenciando a sensibilidade extrema do sistema hidrológico amazônico.
A diminuição da vazão não é apenas um problema ambiental. Ela se traduz diretamente em riscos para a segurança energética do país. O Brasil construiu sua matriz elétrica com base na abundância hídrica, e as hidrelétricas ainda respondem por 43,7% da capacidade instalada nacional, segundo o Operador Nacional do Sistema. Quando os rios perdem força, as turbinas giram menos, e o sistema elétrico se torna mais vulnerável.
O estudo alerta que cerca de 90% da potência instalada e planejada das hidrelétricas brasileiras pode ser afetada, em maior ou menor grau, pela redução das vazões médias afluentes. Na Região Norte, o impacto tende a ser mais intenso justamente nas usinas de maior porte, concentradas na bacia amazônica. O rio Xingu, por exemplo, abriga a usina de Belo Monte, uma das maiores do mundo, cuja operação depende diretamente da regularidade do regime hídrico.
Ao destacar que a água é o elemento mais sensível e imediato por meio do qual as mudanças climáticas se manifestam, o estudo chama atenção para um ponto crucial: projetos energéticos concebidos a partir de padrões climáticos do passado podem se tornar inviáveis em um futuro marcado por maior instabilidade. Ignorar as projeções climáticas significa assumir riscos elevados, tanto econômicos quanto sociais.
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Os impactos da redução das vazões não se limitam à geração de energia. A agricultura, outro pilar estratégico da economia brasileira, também sente os efeitos diretos da mudança no regime de chuvas. O levantamento aponta que cerca de 90% da agricultura irrigada no país utiliza sistemas de pivô central, altamente dependentes da disponibilidade regular de água. Além disso, aproximadamente 90% do cultivo de sequeiro, aquele que depende exclusivamente da chuva, pode ser afetado pelas novas condições climáticas.
Culturas sensíveis, como o arroz, também entram na zona de risco, com impactos estimados em pelo menos 10% da produção. Em um país que se destaca como um dos maiores produtores de alimentos do mundo, a combinação de menos água nos rios, chuvas mais irregulares e temperaturas mais altas coloca em xeque a segurança alimentar e a estabilidade de cadeias produtivas inteiras.
O estudo reforça que, no Brasil, a segurança hídrica está profundamente conectada à segurança energética e alimentar. Quando a água falta ou se torna imprevisível, os efeitos se espalham pela economia, pelos preços dos alimentos e pelo acesso à energia, ampliando desigualdades e tensões sociais.
Além da redução média das vazões, o estudo chama atenção para outro fenômeno cada vez mais presente: o aumento dos extremos climáticos. Em algumas regiões, especialmente no Nordeste, cresce o risco de rios intermitentes, que secam completamente em determinados períodos do ano. Também se projeta o prolongamento dos períodos de escassez hídrica, que podem durar até dois meses a mais do que os padrões atuais usados no planejamento da gestão da água.
Paradoxalmente, o aquecimento global também tende a intensificar chuvas concentradas em curto espaço de tempo. As projeções indicam aumento da chuva máxima diária em todos os centros urbanos do país. No Sul, esse crescimento pode variar entre 5% e 25%, enquanto Norte e Nordeste apresentam as maiores alterações, com elevação de pelo menos 40% na chuva máxima em um único dia.
Esse contraste entre secas prolongadas e chuvas intensas evidencia a necessidade de uma gestão da água mais flexível, integrada e adaptativa. O estudo conclui que lidar com as mudanças climáticas não é apenas um desafio técnico, mas uma escolha estratégica para garantir o futuro hídrico, energético, alimentar e ambiental do Brasil.
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