Saúde

Comportamentos alimentares desordenados crescem entre crianças e adolescentes, alertando a saúde

Cada vez mais comuns e muitas vezes ignorados, os comportamentos alimentares desordenados (CADs) em crianças e adolescentes têm se tornado motivo de preocupação de saúde entre pediatras, psicólogos e educadores.

Embora nem sempre evoluam para transtornos alimentares graves, esses comportamentos indicam um desequilíbrio significativo na relação com a comida, o corpo e a saúde mental e podem ter consequências duradouras se não forem identificados e tratados a tempo.

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O que são comportamentos alimentares desordenados

Os comportamentos alimentares desordenados englobam uma série de práticas prejudiciais ou atípicas ligadas à alimentação, como pular refeições, dietas restritivas, uso de laxantes para emagrecer, comer em excesso ou de forma compulsiva, evitar grupos alimentares sem orientação médica, ou até sentimentos de culpa intensos após comer. Diferentemente dos transtornos alimentares diagnosticáveis, como anorexia ou bulimia, esses comportamentos podem ser mais sutis, mas não menos perigosos.

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Fonte: Desenvol viver

“É um espectro que começa com pequenas alterações, como a recusa persistente em comer determinados alimentos ou a valorização excessiva de dietas, e pode evoluir para quadros mais graves se não houver intervenção”, explica a psicóloga Gabriela Nogueira, especialista em nutrição comportamental e saúde infantojuvenil.

As raízes do problema: influências externas e emocionais

Especialistas apontam múltiplos fatores por trás do aumento dos CADs em crianças e adolescentes. Entre eles estão a pressão estética precoce, o bullying escolar, o acesso irrestrito às redes sociais e a exposição a padrões corporais inatingíveis promovidos pela mídia e por influenciadores digitais.

“Meninas de 9, 10 anos já chegam ao consultório dizendo que querem emagrecer porque viram vídeos no TikTok. Elas ainda nem passaram pela puberdade”, relata a nutricionista Carolina Dias, que atende em consultórios e escolas.

Além disso, questões emocionais como ansiedade, depressão, baixa autoestima e situações traumáticas como separação dos pais, abusos ou perdas — também estão fortemente associadas ao início de comportamentos alimentares disfuncionais.

Quando começa o problema? A infância é um momento crítico

O que se observa nas últimas décadas é um início cada vez mais precoce desses comportamentos. Dados da Sociedade Brasileira de Pediatria indicam que crianças a partir dos 6 anos já podem apresentar sinais de preocupação com o corpo, muitas vezes impulsionadas por comentários familiares ou brincadeiras que parecem inofensivas.

“Uma simples frase como ‘você vai engordar se comer isso’ pode ser o gatilho para uma criança começar a restringir alimentos ou sentir culpa após comer”, alerta a pediatra Clara Mendes. “Isso pode interferir não apenas na nutrição, mas também na percepção de segurança emocional em torno da comida.”

Caminhos para transtornos alimentares: nem sempre visíveis

Embora nem todo comportamento alimentar desordenado leve a um transtorno, a linha é tênue. Estudos mostram que adolescentes que adotam dietas restritivas têm risco até 18 vezes maior de desenvolver transtornos alimentares clínicos, como anorexia nervosa, bulimia e transtorno da compulsão alimentar periódica.

“Os sinais muitas vezes são silenciosos. Um adolescente que deixa de almoçar alegando estar sem fome, ou que começa a evitar eventos sociais por causa da comida, pode estar no início de um quadro grave”, alerta a psiquiatra infantil Renata Sampaio.

As consequências: físicas, emocionais e sociais

Os impactos dos CADs são profundos e podem comprometer o crescimento, a saúde óssea, a imunidade e o desenvolvimento neurológico, principalmente durante a puberdade. Além disso, esses comportamentos estão ligados ao surgimento de depressão, ansiedade, automutilação e até ideação suicida.

No aspecto social, crianças e adolescentes com distorção da imagem corporal tendem a se isolar, ter dificuldades escolares, evitar esportes ou perder vínculos de amizade por vergonha do corpo. A longo prazo, esses efeitos podem se cristalizar em problemas emocionais na vida adulta.

Fonte: Telavita

Cultura da dieta e ambiente familiar: o papel dos adultos

O ambiente familiar é um dos principais agentes na formação da relação com a comida. Famílias que valorizam excessivamente o corpo magro, que rotulam alimentos como “bons” ou “ruins”, ou que impõem dietas rígidas sem orientação, contribuem para a construção de uma relação desordenada com a alimentação.

“Se a criança vê os pais pulando refeições, falando mal do próprio corpo ou fazendo dieta constante, ela entende que isso é o normal”, afirma a psicóloga Gabriela Nogueira.

Por outro lado, famílias que promovem a alimentação intuitiva, que respeitam os sinais de fome e saciedade e evitam comentários sobre peso tendem a criar filhos com uma relação mais saudável com a comida.

Como prevenir e identificar: o papel da escola e dos profissionais

Fonte: Quizur

A escola também é um espaço fundamental para detectar e prevenir os comportamentos alimentares desordenados. Professores e coordenadores devem estar atentos a mudanças no comportamento dos alunos, como perda de peso repentina, isolamento social, recusa em participar de refeições coletivas ou preocupação excessiva com calorias.

Além disso, programas de educação alimentar que valorizam a diversidade corporal e que ensinam sobre nutrição sem moralismos (sem usar termos como “alimento do bem” e “alimento do mal”) têm mostrado eficácia na redução dos CADs.

O diagnóstico precoce pode ser feito por pediatras, psicólogos, nutricionistas e educadores bem treinados, com apoio de uma equipe multidisciplinar. Quando detectados, esses comportamentos devem ser abordados com cuidado, sem julgamento e com foco no acolhimento da criança ou adolescente.

Políticas públicas e desafios atuais

Ainda são poucos os programas públicos no Brasil que lidam diretamente com a prevenção de comportamentos alimentares desordenados. A maioria das campanhas voltadas à alimentação saudável ainda reforça a cultura da dieta e do emagrecimento, o que pode piorar o cenário.

“Precisamos urgentemente de uma mudança no discurso, que valorize o comer com prazer, a escuta do corpo e o respeito à diversidade de corpos”, defende a nutricionista Carolina Dias. “O foco precisa ser saúde, e não magreza.”

A importância do olhar atento

Em meio à rotina atribulada, pais e cuidadores precisam estar atentos a sinais discretos: crianças que comem escondido, que rejeitam alimentos que antes apreciavam, que se pesam com frequência ou que fazem comentários negativos sobre o próprio corpo merecem atenção especial.

Quanto mais cedo os comportamentos desordenados forem identificados, maiores são as chances de reversão completa e de prevenção de transtornos graves no futuro.

“A comida não é o inimigo. É preciso reeducar não apenas o prato, mas o olhar sobre ele”, conclui a psicóloga Gabriela Nogueira.

Redação Revista Amazônia

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