Sociedade civil no centro da COP30: a Casa das ONGs abre espaço em Belém

Quando a atenção global se volta para a Amazônia durante a COP30, não são apenas as negociações entre governos que ganham palco. Em Belém, a sociedade civil prepara seu próprio espaço de articulação, mobilização e diálogo sob o nome de Casa das ONGs na COP30. Idealizada pela Associação Brasileira de Organizações Não‑Governamentais (ABONG), essa casa funciona nos dias 10, 11, 12 e 16, 17, 18 e 19 de novembro de 2025 na Rua Cônego Jerônimo Pimentel 315 – Umarizal, Belém-PA.

A proposta é direta: criar um local democrático e aberto onde organizações da sociedade civil possam debater, apresentar, questionar e influenciar a agenda climática, sem ficar refém apenas dos circuitos oficiais da conferência. Como explica o edital da ABONG, o espaço permitirá plenárias, reuniões menores, atividades culturais, rodas de conversa e oficinas. A motivação também se baseia na constatação de que os processos formais de participação da conferência podem excluir ou marginalizar vozes da Amazônia e das periferias.

Uma programação plural e descentralizada

Na tarde de 10 de novembro, a Casa das ONGs abre oficialmente sua programação com múltiplas atividades simultâneas, cada uma com foco em temas distintos, mas interligados pelo fio comum da justiça climática, inclusão e participação comunitária.

  • Às 14h00, a oficina “Beabá da COP” propõe traduzir a linguagem técnica das negociações climáticas em formatos acessíveis, por meio de comunicação comunitária, construção coletiva de mural visual e reflexão sobre siglas e conceitos. Organizada pela Instituto Decodifica (Via Confluência das Favelas).

  • No mesmo horário, tem lugar a roda de conversa “Ação Filantrópica para a Justiça Habitacional”, promovida pela Instituto Polis e pela International Institute for Environment and Development (IIED), abordando como financiamento e governança da moradia podem se articular à agenda climática no Sul Global.

  • Ainda às 14h, o painel “Painel Climático da Região Metropolitana de Belém: dados racializados para políticas públicas de justiça climática” reúne Observatório das Baixadas, Casa Fluminense, Centro Brasileiro de Justiça Climática e a South African Local Government Association (SALGA). Apresenta dados territoriais, socioeconômicos e racializados para qualificar políticas públicas de adaptação. Tradução simultânea para Inglês, Espanhol e LIBRAS está garantida.

  • Às 16h00 (Tarde 2) acontecem outras quatro oficinas: “Água que cura: tecnologias sociais e educação em saúde para comunidades ribeirinhas” (organizada pela Universidade da Amazônia – UNAMA); “O protagonismo feminino na agricultura periurbana e segurança alimentar” (coletivos regionais); “Vozes da Periferia: arte urbana, juventude e justiça climática na Amazônia” (coletivos de arte urbana); cada uma trazendo práticas e reflexões locais no eixo clima e território.

  • Às 18h00, já no período noturno, um painel mais amplo “Do Subsolo à Nuvem: impactos socioambientais dos avanços tecnopolíticos no Brasil” reúne a Escola de Ativismo, o Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e outros, para refletir sobre mineração, tecnologias digitais, conectividade, justiça climática e transição tecnológica. Tradução simultânea também presente.

Reuters/Marx Vasconcelos/proibida reprodução

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Ação local, alcance global

O que distingue a Casa das ONGs na COP30 é o esforço explícito de articular o local e o global: trazer às margens da conferência internacional os territórios da Amazônia, as periferias urbanas, as comunidades ribeirinhas. Em vez de apenas seguir a agenda internacional, a proposta é que as comunidades participem, definam e incidem. Como afere o material da ABONG, as burocracias da conferência oficial frequentemente excluem a sociedade civil amazônica — portanto, criar este espaço é responder a essa limitação.

Além disso, a seleção para a programação via edital priorizou critérios de regionalidade, marcadores étnico-sociais e diversidade de organizações. Entre 1 e 25 de setembro de 2025 foram feitas as inscrições, com divulgação final em 22 de outubro.

Estratégia de incidência e legado

Ao sediar oficinas de comunicação comunitária, painéis de dados racializados e rodas de justiça habitacional, a Casa das ONGs se coloca como uma arena de construção de narrativa, mobilização e redes. A ideia é que as vozes das periferias amazônicas e das periferias urbanas do Brasil não apenas participem de debates, mas cobrem seu lugar de ator. Isso tem implicações: a mobilização não se encerra ao final da conferência, mas busca criar redes, protagonismos locais, repertórios que se sustentem no tempo.

O endereço físico — Belém/PA — e a escolha de datas que acompanham a COP30 (10–19 novembro) reforçam a logística de visibilidade. A presença de tradução simultânea, salas menores e grandes plenárias assegura acessibilidade e multiplicação de vozes.

Em meio ao aparato internacional da COP30, a Casa das ONGs emerge como contraponto essencial: um espaço onde a sociedade civil, as periferias, as comunidades tradicionais e as juventudes amazônicas convergem para afirmar que a crise climática também se vive — e se transforma — nos territórios. Em Belém, a conversa sobre clima deixa de ser apenas de especialistas ou chefes de Estado para abraçar coletivos, lideranças comunitárias, narrativas locais. Essa inversão é parte da justiça climática — e pode fazer a diferença entre uma conferência de elites e uma conferência verdadeiramente inclusiva.

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