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Na tarde de segunda-feira (11) em Belém, no estande “Conheça o Brasil” da Ministério do Turismo (MTur), o turismo ganhou nova fisionomia. O painel “Turismo Regenerativo: além da sustentabilidade nos oceanos” trouxe ao palco uma ideia que vai além de conservar ou minimizar impactos: trata-se de dar à natureza e às comunidades mais do que se toma delas. A proposta é clara: o turismo deve regenerar — ecossistemas, vidas, culturas e economias locais.
A velejadora e escritora Heloisa Schurmann abriu o debate com um relato comovente de três décadas de navegação. “O oceano é a nossa casa”, disse ela, ao lembrar que observou fenômenos como praias engolidas, recifes fragilizados e pescadores deslocados. Sua mensagem foi simples, mas poderosa: mais do que turismo, precisamos de compromisso. “Criamos o projeto Voz dos Oceanos para conscientizar sobre o que realmente está acontecendo”, contou.
Em sequência, Conservação Internacional Brasil (CI-Brasil) apresentou o que já se move de fato nessa direção. A pesquisadora Nátali Piccoli explicou o exemplo do litoral sul da Bahia, onde empreendedores locais reconfiguraram o modelo de turismo de massa. Eles criaram uma governança comunitária e o “manual da Aliança Futuri” para orientar práticas responsáveis de hospedagem e visitação. Em 2024, segundo ela, aquelas iniciativas movimentaram cerca de R$ 10 milhões entre conservação, pesquisa e observação de baleias.
Representando o Pará, Allyson Neri, da diretoria de Produtos Turísticos da Secretaria de Turismo do Pará (Setur), lembrou que a Amazônia traz um cenário singular — mais de 500 km de praias fluviais e costeiras, manguezais, comunidades ribeirinhas e modos de vida que não se encaixam no paradigma de “sol e resort”. “Não buscamos o turismo de massa, mas um turismo que respeite os limites da natureza e o modo de vida das comunidades”, afirmou. Ele citou como exemplo o projeto piloto na Reserva Extrativista Marinha de Soure (Arquipélago do Marajó), onde se implantou um banheiro ecológico em parceria com moradores locais — iniciativa finalista do Prêmio Braztoa de Sustentabilidade.
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Se o turismo tradicional muitas vezes gera impactos — deslocamento de comunidades, desgaste ambiental ou exploração superficial — o turismo regenerativo se refere a modelos em que visitantes, operadoras, comunidades e natureza entram em um ciclo virtuoso: a visita gera recursos que retornam ao ambiente e às pessoas, fortalece identidade cultural, restaura ecossistemas e cria sentido. Em outras palavras, o visitante deixa algo bom, e não apenas retira. O relatório da CI-Brasil define que o turismo regenerativo “não apenas minimiza impactos negativos”, mas “deixa um impacto positivo nos lugares visitados, nos moradores destes destinos e no próprio visitante”.
No contexto amazônico, essa definição ganha camadas adicionais: natureza rica, comunidades tradicionais vulneráveis, economias locais frágeis e pressões de mercado e clima elevadas. Por isso, o painel em Belém simboliza mais que um debate — representa um pivô para reposicionar o turismo da Amazônia como instrumento de justiça ambiental, sociocultural e econômica.
O painel trouxe ainda pistas sobre como avançar. Primeiro, a governança local emerge como condição base: comunidades devem ser protagonistas, e não meros recipientes de promoção turística. O exemplo da Aliança Futuri mostra que empreendedores e moradores atuando juntos dão credibilidade e impacto.
Segundo, a diversificação de atividades e o respeito aos limites naturais são fundamentais. No litoral sul da Bahia, em vez de resorts de grande escala, adotou-se modelo de experiências autênticas, hospedagem moderada, alimentação local, vivência cultural — apontando que qualidade muitas vezes supera quantidade.
Terceiro, há necessidade de monitoramento e geração de valor. O turismo regenerativo se sustenta quando atividades geram renda justa, fortalecem economias locais e mantêm ou restauram ecossistemas. O relato de 10 milhões de reais de atividade vinculada à conservação demonstra que tal modelo é viável.
Por fim, vale notar a articulação com a agenda da COP30. Integrado à conferência em Belém, o painel destaca que turismo, clima e biodiversidade são inseparáveis. Em regiões como a Amazônia, onde a conservação ecológica, os direitos das comunidades tradicionais e o turismo se cruzam, o turismo regenerativo pode ser parte da solução para adaptação e mitigação.
Quando se diz que o turismo “é a nossa casa”, como Heloisa Schurmann lembrou, a Amazônia e seus oceanos, rios e mangues merecem mais do que visitação: merecem cuidado, reciprocidade e regeneração. Esse painel deixa claro que a transição para formas de turismo regenerativo é possível — mas exige vontade política, investimento, envolvimento comunitário e uma mudança de perspectiva: da exploração ao cuidado mútuo.
O turismo regenerativo na COP30 em Belém talvez seja o prenúncio de um novo ciclo: onde viajar significa deixar lugar melhor do que achou, onde a natureza e as pessoas caminham juntas. E se a Amazônia for o laboratório, que ele sirva de inspiração para o mundo.
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