Uma equipe internacional de pesquisadores, com destaque para cientistas brasileiros, fez uma descoberta crucial sobre a formação de chuvas na Amazônia, elucidando o mecanismo físico-químico que regula esse processo e sua relação com o clima global. Pela primeira vez, foi identificado um complexo sistema que envolve nanopartículas de aerossóis, descargas elétricas e reações químicas nas altitudes mais altas da atmosfera. Este sistema, que ocorre entre a noite e o amanhecer, pode ser descrito como uma “máquina de nuvens” que desempenha um papel vital na produção de chuvas.
A pesquisa
A pesquisa, publicada na capa da Nature em 4 de dezembro de 2024, revela como o isopreno, um gás liberado pelas plantas por meio de seu metabolismo, é transportado para as camadas superiores da atmosfera durante as tempestades noturnas. Uma série de reações químicas, catalisadas pela radiação solar, resulta na formação de aerossóis que se acumulam nas nuvens. Este processo é intensificado pelas descargas elétricas nas altas camadas da atmosfera, que ocorrem em nuvens compostas por cristais de gelo.
Embora partículas desse tipo já tivessem sido identificadas anteriormente, o mecanismo completo de sua formação só foi esclarecido agora. Acreditava-se que o isopreno não chegaria às altitudes superiores, devido à sua alta reatividade e rápida degradação pela luz solar. Contudo, com essa nova descoberta, será possível aprimorar os modelos climáticos, essenciais para simular e prever o comportamento do clima global.
O estudo foi realizado com dados coletados durante o experimento CAFE-Brazil (sigla para Chemistry of the Atmosphere: Field Experiment in Brazil), realizado entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023. O experimento envolveu voos a altitudes de até 14 km sobre a Amazônia, a mais de duas vezes a altura do Aconcágua, o ponto mais alto da América do Sul. Durante 136 horas de voo, a equipe percorreu mais de 89 mil km – o equivalente a duas voltas ao redor da Terra.
“Este estudo revela a simbiose de diversos fenômenos complexos que mantém o equilíbrio climático da Amazônia. Alterações nesse equilíbrio, como o desmatamento ou as mudanças climáticas, podem gerar efeitos imprevisíveis”, explica o professor Luiz Augusto Toledo Machado, autor brasileiro do estudo.
De acordo com Paulo Artaxo, coautor do artigo e professor da Universidade de São Paulo (USP), a descoberta possibilita a construção de modelos climáticos mais precisos, levando em conta os aspectos físico-químicos e biológicos envolvidos na formação das nuvens. Ele destaca que o desmatamento da Amazônia, ao reduzir as emissões de isopreno, destrói esse mecanismo de formação de partículas, impactando negativamente a precipitação e o clima.
Estudos recentes mostram que entre 1985 e 2023, a expansão da pastagem foi a principal causa do desmatamento na Amazônia. Durante esse período, a área dedicada à pastagem cresceu 363%, atingindo 59 milhões de hectares, o que representou 14% da floresta até 2023.
O Mecanismo de Formação das Partículas
As florestas tropicais, como a Amazônia, liberam compostos orgânicos voláteis (VOCs), como o isopreno, durante o dia. Estima-se que as florestas mundiais emitam mais de 500 milhões de toneladas de isopreno anualmente, com um quarto desse total vindo da Amazônia. Anteriormente, acreditava-se que o isopreno não alcançaria as camadas mais altas da atmosfera devido à sua rápida destruição. No entanto, a pesquisa revela que o isopreno pode ser transportado durante a noite, especialmente em tempestades tropicais, para altitudes superiores entre 8 e 15 km, onde as temperaturas podem chegar a -60°C.
O processo ocorre por meio de correntes de ar ascendentes, impulsionadas pela alta umidade e calor da floresta, que “sugam” os gases para cima. Uma vez nas altitudes mais altas, o isopreno reage com radicais hidroxila e óxidos de nitrogênio provenientes dos relâmpagos, formando nitratos orgânicos e gerando nanopartículas de aerossóis. Essas partículas, em concentrações elevadas, atuam como núcleos de condensação para a formação de nuvens e influenciam o ciclo hidrológico global e o clima.
A Expedição e as Descobertas
A coleta de dados para essa pesquisa foi realizada por meio de voos de longo alcance da aeronave HALO (High Altitude and LOng range research aircraft), equipada para voos a altitudes de até 15,5 km. Os pesquisadores, com base em Manaus, realizaram até 12 horas de voo por vez, atravessando as nuvens e analisando as concentrações de isopreno. “Era um trabalho empolgante. A formação das partículas ocorria pela manhã, e nós, pesquisadores, acompanhávamos tudo de perto, o que tornava o trabalho ainda mais emocionante”, conta Machado.
A pesquisa também incluiu uma análise detalhada das condições atmosféricas em câmaras experimentais, reproduzindo as condições observadas na tropopausa, e será incorporada aos modelos climáticos globais, aprimorando as previsões de precipitação.
O estudo foi financiado pela FAPESP e envolveu colaboração entre diversas instituições de renome, como a Universidade Goethe de Frankfurt, o Instituto Max Planck, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia).
Os artigos Isoprene nitrates drive new particle formation in Amazon’s upper troposphere e New particle formation from isoprene in the upper troposphere podem ser lidos, respectivamente, em: www.nature.com/articles/s41586-024-08192-4 e www.nature.com/articles/s41586-024-08196-0.