A cidade de Afuá, na Ilha do Marajó, é considerada a mais vulnerável às mudanças climáticas no litoral do Pará. Conhecida como “Veneza Marajoara”, Afuá foi construída sobre palafitas, em uma região onde o ritmo das marés dita o cotidiano. Com menos de 40 mil habitantes, a cidade lida diariamente com a subida e descida das águas, o que define os horários de transporte e o ciclo de trabalho, especialmente nas atividades de agricultura e extrativismo.
Embora a população esteja adaptada a esse ambiente dinâmico, os moradores já percebem alterações no regime das águas, que parecem desordenadas em relação ao que era observado no passado. “Parece que o calendário natural das águas mudou com o clima. Não há mais uma época certa para as grandes cheias ou secas”, comenta Katia Pantoja, moradora de uma comunidade rural da região.
Afuá é área de várzea
Afuá, com uma economia baseada principalmente no cultivo do açaí e no extrativismo, é inteiramente uma área de várzea, inundada periodicamente. No entanto, as secas e cheias têm se tornado cada vez mais imprevisíveis, e o impacto das mudanças climáticas já é sentido. Em 2023, por exemplo, as cheias foram menores que o normal, enquanto o período de seca trouxe queimadas e dificuldades no abastecimento de água. “Em alguns igarapés, a água não chegou, e até tivemos grandes incêndios na cidade”, relata Hilder Felix, secretário municipal de Meio Ambiente.
Estudos da Universidade Federal do Pará (UFPA), de 2021, apontam Afuá como o município costeiro mais vulnerável do estado em relação às mudanças climáticas. A baixa capacidade de adaptação, as dificuldades socioeconômicas e a ausência de políticas públicas eficazes agravam essa situação. Além disso, a cidade sofre com o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a falta de cobertura vegetal, o que intensifica problemas como erosão e enchentes.
A seca atual já trouxe grandes desafios, mas a elevação do nível do mar nos próximos anos pode ser ainda mais devastadora. De acordo com previsões do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o mar no Marajó pode subir até 10 centímetros entre 2020 e 2039, um aumento superior à média global.
O climatologista Carlos Nobre alerta que as secas podem enfraquecer a vegetação ribeirinha, tornando a área mais suscetível a enchentes futuras, especialmente com a alternância entre os fenômenos El Niño e La Niña, que trazem secas e chuvas excessivas. O El Niño, ativo desde 2023, tem causado escassez de chuvas, e a previsão é que o La Niña traga chuvas intensas nos próximos meses.
Apesar dos desafios, Afuá não possui um plano robusto de adaptação às mudanças climáticas ou para enfrentar o aumento do nível do mar. Hilder Felix defende a criação de um plano de resiliência climática que inclua todo o arquipélago do Marajó, visto que os impactos não podem ser tratados de forma isolada.
A situação em Afuá também reflete uma preocupação maior com a urbanização da cidade. As tradicionais passarelas de madeira estão sendo substituídas por concreto, o que gera novos desafios, como o aumento da temperatura urbana e dificuldades de drenagem durante as enchentes. Felix reconhece os problemas, mas ressalta a necessidade de arborização para amenizar os efeitos térmicos das mudanças.
Com uma população que já enfrenta a incerteza climática e a precariedade de infraestrutura, Afuá se torna um símbolo de como as mudanças climáticas afetam diretamente a vida das comunidades vulneráveis na Amazônia.