Muito antes do conceito de “agricultura sustentável” ganhar força nas políticas ambientais do século XXI, comunidades camponesas no Oriente Médio já aplicavam, de forma empírica e adaptada ao clima árido da região, práticas agrícolas em harmonia com a natureza. Durante o tempo de Jesus de Nazaré, aproximadamente entre os anos 4 a.C. e 30 d.C., os agricultores da Galileia, da Judeia e da Samaria baseavam sua sobrevivência em técnicas que, hoje, seriam classificadas como ecológicas.
Agricultura em um mundo dominado por Roma
Na Palestina do século I, sob domínio do Império Romano, a vida no campo era central para a economia e a sobrevivência das famílias. Mais de 90% da população vivia em zonas rurais e dependia do que a terra produzia. As técnicas de cultivo eram passadas de geração em geração e estavam fortemente ligadas aos ritmos naturais das estações, ao calendário religioso judaico e às limitações impostas pelo clima mediterrâneo semiárido.
Jesus, que cresceu na vila rural de Nazaré, conhecia de perto essa realidade. Suas parábolas, frequentemente recheadas de imagens de sementes, vinhedos, figueiras e colheitas, revelam não apenas metáforas espirituais, mas também a intimidade de um povo com o solo que cultivava.
Práticas sustentáveis e sabedoria ancestral
Apesar da ausência de tecnologias modernas, os agricultores da época sabiam manejar a terra com cuidado. Uma das práticas mais comuns era o descanso da terra a cada sete anos o chamado “ano sabático” (shmitá), determinado pela Lei Mosaica. Nesse período, os camponeses não plantavam nem colhiam, permitindo que o solo se regenerasse naturalmente. Trata-se de uma das primeiras evidências de consciência ecológica aplicada à produção de alimentos.
Outras práticas que indicam uma agricultura de baixo impacto incluem:
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Rotações de culturas: alternavam-se plantações de cereais como trigo e cevada com leguminosas para manter a fertilidade do solo.
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Reaproveitamento de resíduos orgânicos: esterco de animais era usado como adubo natural.
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Cultivo em terraços: nas regiões montanhosas da Galileia, os agricultores construíam terraços com pedras para conter a erosão e conservar a água.
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Sistemas de irrigação por canalização: especialmente em vilas mais ricas, o desvio de água de nascentes ou riachos era feito de forma artesanal para atender pequenas hortas.
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Coleta de água da chuva: cisternas escavadas no solo serviam para armazenar água durante a estação seca.
Produtos da terra: o que se comia no tempo de Jesus?
A alimentação na época girava em torno do que era produzido localmente. Os alimentos básicos incluíam trigo, cevada, lentilhas, figos, uvas, tâmaras, romãs, azeitonas e ervas amargas. A oliveira era especialmente valorizada: suas azeitonas viravam azeite para cozinhar, iluminar as casas e até mesmo ser usado em rituais religiosos.
O cultivo da videira era símbolo de prosperidade, e o vinho era consumido regularmente, sempre diluído em água. O povo do campo também criava galinhas, cabras e ovelhas, e o leite era transformado em iogurtes e queijos simples.
Pouco se desperdiçava. O que sobrava era compartilhado, doado aos mais pobres ou reaproveitado. Essa dinâmica, aliada ao cultivo comunitário e às práticas de partilha, aproximava os lares da ideia moderna de agroecologia.
A terra como dom sagrado
A relação dos camponeses com a terra não era apenas econômica, mas espiritual. No judaísmo, a terra de Israel era vista como presente de Deus ao seu povo. Por isso, explorá-la com ganância ou negligência era considerado pecado. A fertilidade da terra era vista como bênção, e sua esterilidade, como sinal de desobediência.
Essa visão influenciava o modo como se cultivava, respeitando ciclos, evitando o esgotamento do solo e promovendo a generosidade — como na prática da gleba deixada para os pobres, quando agricultores não colhiam os cantos do campo para que viúvas, órfãos e estrangeiros pudessem recolher alimento (Levítico 19:9-10).
Desigualdade e exploração: os limites da sustentabilidade social
Apesar das práticas agrícolas harmoniosas, o período não era isento de tensões. Os grandes latifúndios concentrados nas mãos de elites romanas e herodianas ameaçavam os pequenos proprietários. Muitos camponeses viviam endividados e perdiam suas terras, tornando-se trabalhadores assalariados ou até escravos agrícolas.
Jesus criticava essas desigualdades em suas parábolas, como a do “rico insensato” ou do “mau administrador”. Seu apelo ao cuidado com os pobres e com a terra aponta para uma crítica ética e social de um modelo de exploração concentradora.
Legado para o presente
Curiosamente, muitas das práticas agrícolas do tempo de Jesus inspiram movimentos de agricultura regenerativa e comunitária na atualidade. O cultivo sem agrotóxicos, a rotação de culturas, a compostagem e o uso de recursos hídricos de forma racional remetem diretamente às formas de vida rural da Antiguidade.
O conceito moderno de “sustentabilidade”, equilibrar a produção de alimentos com o cuidado ambiental e justiça social encontra raízes profundas em tradições milenares que tratavam a terra como uma extensão da espiritualidade e da vida em comunidade.
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