Enquanto chefes de Estado negociam metas globais de neutralidade de carbono e restauração de ecossistemas em direção à COP30, comunidades tradicionais da Amazônia já colocam em prática soluções concretas. No coração da floresta, famílias ribeirinhas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã, no estado do Amazonas, lideram um processo de recuperação ambiental que alia restauração produtiva, fortalecimento comunitário e geração de renda.

A RDS do Uatumã, com 424 mil hectares, é uma das áreas mais relevantes para a conservação no estado. Mas, como tantas regiões da Amazônia, enfrenta pressões crescentes de desmatamento e queimadas. Foi nesse cenário que nasceu o projeto Floresta Viva, uma iniciativa que se conecta diretamente ao Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), cuja meta é restaurar 12 milhões de hectares até 2030.
A proposta é tão simples quanto transformadora: implantar sistemas agroflorestais (SAFs) que recuperam áreas degradadas e, ao mesmo tempo, oferecem alternativas sustentáveis de subsistência para as famílias da reserva. Em 2025, 54 famílias participaram ativamente do plantio de 13.004 árvores, distribuídas em 35 hectares de áreas restauradas em 13 comunidades locais.
Entre as espécies cultivadas estão cumaru, andiroba, jatobá, copaíba, guaraná, bacuri, acerola, açaí, pupunha e bacaba. As escolhas refletem um equilíbrio entre valor ecológico e potencial produtivo, fortalecendo a biodiversidade e garantindo segurança alimentar e novas fontes de renda para os moradores.

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Ações de capacitação do agro familiar
Segundo Rodolfo Costa Marçal, gerente de projetos do Floresta Viva e porta-voz do Funbio, a iniciativa tem objetivos que vão além da restauração. O projeto prevê a recuperação de 200 hectares em diferentes Unidades de Conservação do Amazonas, articulando ações de capacitação profissional, fortalecimento das cadeias produtivas da biodiversidade e estratégias comunitárias de gestão ambiental. A expectativa é que se torne referência para outros territórios amazônicos, ampliando o alcance da restauração produtiva.
Essa perspectiva já gera resultados concretos. A Usina de Óleos Vegetais da RDS do Uatumã conseguiu dobrar a produção de óleo essencial de breu, passando de 20 para 40 litros mensais. O aumento da capacidade produtiva foi acompanhado por uma inovação energética: a instalação de um sistema fotovoltaico, que substituiu parte do consumo de combustíveis fósseis e reduziu custos.
A experiência ganha relevância também pelo momento. Em 2024, o Brasil e o mundo testemunharam os impactos da crise climática, marcada por secas severas e incêndios florestais. Diante disso, soluções comunitárias como as da RDS do Uatumã representam mais do que ações locais: são demonstrações de como o país pode transformar compromissos internacionais em práticas tangíveis.
“Plantar árvore na Amazônia é mais do que reflorestar: é manter a floresta viva, criar oportunidades para quem vive nela e garantir um futuro possível”, afirma André Vianna, diretor técnico do Idesam. Para ele, trata-se de justiça climática e de autonomia das comunidades tradicionais, que deixam de ser vistas apenas como guardiãs passivas da floresta para se tornarem protagonistas de sua restauração.
No campo, o protagonismo se materializa em histórias pessoais. As mudas que sustentam os SAFs são cultivadas em viveiros comunitários. Nesse processo, cada semente ganha o cuidado dos viveiristas, que coletam, selecionam, preparam o solo e acompanham o crescimento até a entrega final. É uma tarefa técnica, mas também um gesto de afeto.
Claudirleia Gomes, conhecida como Socorro, é um desses exemplos. Moradora da RDS, assumiu um viveiro em um momento delicado, enquanto cuidava do marido doente. O que começou como necessidade virou vocação. “Cuidar da terra, das mudas, ver a vida brotar… é como se cada árvore fosse um pedaço de esperança. Quando a gente planta, a gente sente que está deixando algo vivo para o futuro”, conta.
Além de renovar o vínculo entre as famílias e a floresta, os SAFs rompem com a lógica do roçado com queima, prática ainda comum na região. No lugar da monocultura efêmera, surge um sistema diverso, que pode reunir até 20 espécies em uma mesma área, fortalecendo a resiliência do solo e da comunidade frente às mudanças climáticas.
Neste ciclo de plantio, as atividades contaram com apoio financeiro da CNP Seguradora, do Funbio, da Unesco, do PNUD, além do suporte da AARDSU e da Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas (SEMA). Essa teia de parcerias evidencia que restaurar a floresta é também restaurar relações: entre comunidade e território, entre governos e cidadãos, entre economia e natureza.
Diante da COP30, iniciativas como essa são a prova de que a Amazônia pode oferecer ao mundo não apenas sua biodiversidade, mas também caminhos inovadores de restauração e desenvolvimento justo. Quando as comunidades plantam árvores, estão também semeando autonomia, dignidade e futuro.





































