A Amazônia guarda um tesouro invisível, mas vital: a água do Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA). Esse “oceano subterrâneo” recebe atenção crescente — e não por acaso. Ele encarna uma interseção essencial entre ecologia, poder e desigualdade, um ponto de inflexão que escancara os dilemas do “capitalismo verde” em tempos de crise climática global.
Pesquisadores da Universidade Federal do Pará mostram que SAGA e a floresta amazônica vivem em simbiose: um não vive sem o outro. A floresta alimenta o aquífero com ciclo hídrico resiliente; o aquífero mantém a umidade necessária para as chuvas que irrigam todo o país. É um pacto natural muito além dos limites do solo — um pacto climático que sustenta a agricultura, as populações ribeirinhas e os rios que carregam vida.
Mas esse bem comum está sob cerco. O agronegócio, setor cujos lucros dependem da abundância hídrica, também é o que mais pressiona as bases desse sistema hídrico. Desmatamento, drenagem, queima de biomassa, monocultura extensiva — cada um desses processos corrói, lenta ou rapidamente, a floresta que gera chuva, que ajuda a recarregar o aquífero. Em outras palavras, o motor econômico que extrai riquezas da Amazônia corre o risco de destruir sua própria fonte de sustentação.

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Nesse cenário, assume destaque político a privatização de serviços essenciais. A Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA), cuja missão deveria ser proteger a água como direito público, foi colocada à venda, cedendo espaço à iniciativa privada. O governo do Pará, sob Helder Barbalho, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), justificou o leilão sob a bandeira da eficiência e modernização. Mas as vozes das comunidades, dos movimentos sociais, do movimento sindical alertam: quando água se torna mercadoria, os mais frágeis pagam o preço.
Há uma contradição gritante entre o discurso oficial, que invoca defesa ambiental e soberania hídrica, e as decisões práticas. A privatização da COSANPA, em um estado que detém a maior reserva subterrânea de água do mundo, evidencia que a soberania proclamada não se traduz em controle democrático sobre os bens naturais. O SAGA não é apenas uma reserva geológica: é também uma questão de quem decide o destino dos rios, das terras, das vozes das populações amazônicas.
Para além de ideais ou críticas, há uma pergunta real: quem deve gerir públicos tão preciosos como SAGA e os recursos hídricos da Amazônia? A alternativa ao modelo do “capitalismo verde” — que muitas vezes se reduz a marketização, créditos de carbono e concessões privadas — aponta para a gestão pública popular, onde comunidades locais, povos indígenas, trabalhadores rurais e as próprias instituições públicas tenham papel decisivo. É uma visão ecossocialista: um pacto que preserve a integridade ambiental e reforce a justiça social.
Se a COP 30 representa uma plataforma de expectativas globais, ela também representa um momento de denúncia: denunciar que discursos ecológicos não sejam usados para legitimar apropriações corporativas, que o “verde” não vire fachada e que o bem comum não seja diluído em contratos privados. O futuro da Amazônia, da água, e do próprio clima depende de escolhas estratégicas hoje — escolhas que colocam a vida acima do lucro.






































