A memória da fumaça: como a crise de 2023 impulsionou a nova estratégia de proteção ambiental do Amazonas


As cinzas que cobriram Manaus em 2023 não apenas turvaram o céu, mas também deixaram uma marca profunda na consciência coletiva e na política ambiental do estado. Daquela crise, nascida em meio à fumaça e à emergência climática, germinou uma resposta robusta que agora toma forma. Na última sexta-feira, 19 de setembro, o Conselho Estadual de Meio Ambiente do Amazonas (Cemaam) deu luz verde ao projeto “Amazonas Protegido: Controle Ambiental em Ação”, uma iniciativa que promete redefinir a forma como o estado combate o desmatamento ilegal e as queimadas não autorizadas.

FOTOS: José Narbaes/Ipaam

Aprovado durante a 117ª Reunião Ordinária do conselho, o projeto, apresentado pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), é mais do que um plano de ação; é a materialização de um aprendizado doloroso. Raquel Said, secretária executiva de Meio Ambiente, relembrou a urgência daquele momento. “Eu me lembro de 2023, com aquele problema difícil das queimadas e a fumaça que tomou conta de Manaus. Foi aqui, numa das plenárias do Cemaam, que discutimos a possibilidade de o Fema apoiar projetos do Estado”, destacou ela. A fala revela que a nova estratégia não é uma reação tardia, mas uma política pública forjada no calor da crise, com o objetivo de evitar que o cenário se repita.

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FOTOS: José Narbaes/Ipaam

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Financiado com recursos do Fundo Estadual de Meio Ambiente (Fema-AM), o “Amazonas Protegido” se assenta sobre uma base dupla e estratégica: a prevenção pela educação e a dissuasão pela força da lei. Por um lado, a iniciativa investirá na produção de 36 conteúdos audiovisuais e na realização de 20 oficinas de sensibilização. O objetivo é claro: transformar a mentalidade local, engajando as comunidades como primeiras guardiãs da floresta. Essa abordagem reconhece que a vigilância ambiental mais eficaz é aquela que conta com o apoio e a participação ativa de quem vive na região, compreendendo que a floresta em pé é sinônimo de qualidade de vida e sustento.

Por outro lado, o projeto desenha uma linha firme contra a criminalidade ambiental. Estão previstas 40 operações de fiscalização, concentradas em 20 municípios considerados prioritários. O foco geográfico não é aleatório, mirando a Região Metropolitana de Manaus, pressionada pela expansão urbana desordenada, e o sul do estado, uma fronteira crítica de avanço do agronegócio e do desmatamento. Para executar essa tarefa complexa, foi montada uma verdadeira força-tarefa interinstitucional. A parceria une a expertise técnica do Ipaam e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) à capacidade operacional do Batalhão de Policiamento Ambiental (BPAmb), da Delegacia Especializada em Crimes contra o Meio Ambiente e Urbanismo (Dema) e do Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas (CBMAM).

Essa aliança estratégica é, talvez, o maior trunfo do projeto. Gustavo Picanço, diretor-presidente do Ipaam, enfatizou a importância dessa união. “Estamos celebrando não apenas a aprovação de um projeto, mas um passo concreto na intensificação da fiscalização e da educação ambiental. O apoio do Conselho reforça a importância da integração entre instituições para proteger nossas florestas”, afirmou. A sua visão ressalta que a complexidade dos crimes ambientais na Amazônia exige uma resposta coordenada, onde a inteligência policial, a fiscalização administrativa e a capacidade de combate a incêndios atuam em perfeita sincronia.

A reunião do Cemaam também serviu de palco para outras pautas que complementam o cenário ambiental do estado, como a apresentação sobre o Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta essencial para o monitoramento e regularização de propriedades rurais. Além disso, foram destacados os resultados do programa “Recicla, Galera!”, uma iniciativa da Sema que transforma o tradicional Festival de Parintins em um exemplo de sustentabilidade. Ao aliar a maior festa cultural da região a uma competição de reciclagem entre as torcidas, o programa não só gera renda para catadores e melhora a gestão de resíduos, mas também demonstra como a conscientização ambiental pode ser integrada a todos os aspectos da vida amazônica.

Em última análise, o “Amazonas Protegido” representa uma virada de página. É o reconhecimento de que a defesa da Amazônia não pode ser apenas reativa. Exige planejamento, investimento em inteligência, educação contínua e, acima de tudo, uma cooperação inabalável entre os diferentes braços do Estado. O sucesso desta iniciativa será medido não apenas pela redução dos índices de desmatamento e queimadas, mas pela capacidade de construir um futuro onde a fumaça de 2023 permaneça apenas como uma lembrança do caminho que não se deve mais trilhar.