Amazônia+10: três anos de ciência com impacto na floresta


Em Belém, durante a COP30, a Iniciativa Amazônia+10 apresentou de forma concreta seus resultados após pouco mais de três anos de atividade — um balanço que vai além dos números e revela transformações reais na ciência e nas comunidades da Amazônia Legal. Criado para ampliar o financiamento à pesquisa e à inovação na região, o programa conseguiu mobilizar uma rede impressionante: quase 2 mil pesquisadores trabalhando em 61 projetos, com a participação direta de 8,7 mil atores locais, entre indígenas, ribeirinhos, agentes comunitários e lideranças locais.

foto: Luciana Constantino/Agência FAPESP

O cenário desse anúncio foi emblemático: o Museu Emílio Goeldi, em Belém, tornou-se palco de debates científicos e encontros comunitários dentro da COP. No local, a Amazônia+10 expôs os resultados de seu “censo”: 1.265 cientistas responderam a questionários, e 43% deles são nativos da região amazônica. Esses pesquisadores estão filiados a 171 instituições, distribuídas no Brasil e em outros seis países, com forte representação local — 17% vinculados a instituições paraenses e 13% a organizações amazonenses.

Desde 2022, a Iniciativa Amazônia+10 já bancou 61 pesquisas, gerando 365 produções acadêmicas e tecnológicas — incluindo artigos, teses, dissertações e patentes. Dentre esses projetos, 12 já demonstraram impacto direto sobre políticas públicas, e duas patentes foram registradas. Essa produção científica, porém, não ficou confinada em periódicos: ela foi traduzida em ações e em voz para as comunidades.

Um bom exemplo é o estudo que avalia os impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte sobre o regime hídrico do rio Xingu. Nele, indígenas e ribeirinhos foram mobilizados para coletar dados, e a pesquisa ofereceu subsídios ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para definir uma vazão ecológica que respeite a dinâmica do rio. Além disso, contribuiu para fortalecer o Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), um programa de ciência comunitária na Volta Grande do Xingu, que hoje se destaca como referência de autonomia local e participação cidadã.

Durante a COP30, representantes da iniciativa também participaram de debates promovidos pelo Ministério Público Federal (MPF), na chamada Zona Verde, reforçando a ponte entre ciência, direito e mobilização comunitária. Para o secretário-executivo da Amazônia+10, Rafael Andery, esses resultados não apenas “mostram números”, mas traduzem impacto concreto: “diversidade e transformação para a ciência brasileira e para as comunidades locais”.

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Reprodução

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A Amazônia+10 surgiu oficialmente na COP26, em Glasgow, quando a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) anunciou o programa para apoiar a ciência na Amazônia Legal. Trata-se de um consórcio ambicioso: os nove estados da Amazônia Legal, o Estado de São Paulo, integrantes do CONFAP (Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa) e outras fundações estaduais de fomento entraram no esforço. Atualmente, 25 Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) participam da iniciativa, que já mobilizou R$ 162 milhões e conta com 16 parcerias externas.

O modelo operacional da Amazônia+10 priorizou a colaboração entre academia e comunidades. Na primeira chamada de projetos, 80% das propostas envolveram atores não acadêmicos desde o planejamento até a execução. Isso resultou em uma ampla participação local: mais de 8,7 mil pessoas de diferentes regiões amazônicas foram envolvidas — muitos diretamente vindos de comunidades tradicionais. Esse tipo de integração reforça a ideia de que a ciência na Amazônia pode ser tanto produzida pela floresta quanto para a floresta.

Um ponto particularmente sensível para a região foi o apoio à pesquisa nas áreas consideradas “vazios científicos”, como a chamada “Cabeça do Cachorro”, no extremo noroeste do Amazonas, fronteira com Colômbia e Venezuela. A iniciativa financiou três projetos lá, evidenciando que a Amazônia+10 não pretende apenas acompanhar o conhecimento existente, mas preencher lacunas antigas e estratégicas.

Para a Fapespa (Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas), essa proposta representa uma inovação: “é um modelo diferente e eficiente, que combina pesquisadores de várias partes do mundo com foco na região amazônica e na forma de vida das comunidades locais”, afirmou o presidente Marcel do Nascimento Botelho. A arqueóloga Helena Lima, do Museu Emílio Goeldi, que coordena o projeto “Vozes da Amazônia Indígena”, reforçou esse ponto: “a Amazônia tem cientistas e instituições de excelência, e isso precisa ter visibilidade”.

Durante a conferência, muitos dos projetos da iniciativa envolveram atividades de imersão intercultural, onde comunidades indígenas e tradicionais puderam dialogar diretamente com pesquisadores. Debate-se justiça climática, desigualdade de gênero, práticas tradicionais de uso da floresta e os saberes ancestrais que atravessam gerações. A participação não ficou apenas na coleta de dados, mas se estendeu à construção de narrativas, relatórios, documentários e até livros que traduzem essas experiências para públicos mais amplos.

Por fim, a Amazônia+10 anunciou que em 2026 será lançada uma nova chamada de projetos, desta vez voltada para desafios da sociobioeconomia na Amazônia Legal. A ideia é engajar ainda mais organizações socioprodutivas dos territórios, fortalecendo cadeias produtivas sustentáveis e, ao mesmo tempo, colaborando para a conservação ambiental. Esse passo sinaliza que a iniciativa aposta não só na ciência clássica, mas em um modelo de pesquisa profundamente ligado às comunidades e aos seus modos de vida — um caminho estratégico para enfrentar os riscos climáticos e construir futuros mais resilientes.