“Atlas da Amazônia Brasileira” dá voz aos amazônidas e saberes locais


A Amazônia brasileira não é mais um território distante, abstrato ou imaginado: é feita de pessoas, culturas, histórias, saberes e lutas que resistem dia após dia. Com essa convicção, a Fundação Heinrich Böll lançou o Atlas da Amazônia Brasileira, uma coletânea que transpõe os olhares externos e convida à escuta das vozes que vivem, moldam e defendem a maior floresta tropical do planeta.

Foto: Divulgação Fundação Heinrich Böll

São 32 artigos elaborados por 58 autores — sendo 19 indígenas, cinco quilombolas e dois ribeirinhos — que se somam a pesquisadores e ativistas para reconstruir a Amazônia a partir de dentro. Eles trazem reflexões sobre ancestralidade, ciência local, território, urbanização, violência, resistências e potências. A iniciativa vai além de compilar dados: ela reconstrói narrativas.

A publicação denuncia como a visão colonizadora reduziu a Amazônia a um “vazio” — uma terra de ninguém pronta para ser ocupada, explorada ou integrada ao modelo ocidental. Essa lógica tem permitido grilagem, desmatamento, mineração, expansão do agronegócio, e uma constante violência contra povos tradicionais. O Atlas surge para dizer que esse olhar está equivocado — e que as soluções para a crise climática devem partir também do protagonismo amazônida.

No editorial, a Fundação destaca que a obra marca uma inflexão: é o primeiro atlas do fundo pensado e produzido no Sul Global, voltado para a região amazônica por seus próprios atores. E isso acontece em um ano decisivo: a COP30 será realizada em Belém, o que torna ainda mais urgente que quem vive na região tenha lugar de fala.

amazonia-400x267 “Atlas da Amazônia Brasileira” dá voz aos amazônidas e saberes locais
Divulgação

SAIBA MAIS: Revista Amazônia – Edição de Setembro traz o esquenta da COP30 e destaca o protagonismo amazônico nas soluções globais para o clima

Entre os temas abordados, está a urbanização amazônica — pouco conhecida: três quartos da população da região vivem em áreas urbanas. Este dado quebra o clichê de que a Amazônia é apenas floresta contínua e isolada. Em paralelo, os autores lembram as cifras que denunciam a gravidade da situação: entre 2019 e 2022 o desmatamento bateu recordes, o garimpo ilegal em terras indígenas cresceu 90% e a presença armada na Amazônia Ocidental aumentou mais de 1.000%.

Mas o Atlas vai além da denúncia: ele revela saberes sobre a própria floresta, demonstrando que comunidades indígenas e tradicionais foram fundamentais para a construção e manutenção desses ecossistemas, por meio de manejo, conhecimento local, cosmologias e práticas sustentáveis.

A obra aponta ainda que a crise climática e o colapso ambiental não poderão ser enfrentados com olhar único ou estrangeiro: é preciso entrelaçar a ciência ocidental com epistemologias tradicionais, valorizar territórios, garantir direitos humanos, fortalecer a justiça socioambiental e reconhecer que as raízes dos problemas — e das soluções — estão também na Amazônia.

Em última instância, o Atlas da Amazônia Brasileira convida à mudança de perspectiva. Não se trata apenas de mostrar o que a floresta é ou poderia ser, mas de afirmar quem são seus habitantes, quais são os seus saberes, quais as suas esperanças e como estas podem guiar um futuro mais justo, sustentável e comprometido. Se a floresta, seus rios, suas comunidades e seus modos de vida forem parte central desse debate — e não meramente objeto — então talvez possamos traçar um novo caminho para a Amazônia e para o planeta.