Violência no coração da floresta expõe riscos de quem protege a Amazônia
A morte do vaqueiro Marcos Antônio Pereira da Cruz, ocorrida durante uma operação de retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa, no sul do Pará, escancarou novamente o nível de violência que ronda a proteção ambiental e territorial na Amazônia brasileira. O crime, classificado como “bárbaro” pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, ocorreu em meio a uma ação oficial do Estado, determinada pelo Supremo Tribunal Federal, e evidencia o quanto a defesa da legalidade ainda enfrenta resistência armada em áreas marcadas por conflitos fundiários históricos.

Marcos Antônio atuava como colaborador do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quando foi vítima de uma emboscada próxima ao distrito de Taboca, no município de São Félix do Xingu. A região é uma das mais tensionadas do país em disputas por terra, marcada pela presença de antigos ocupantes que insistem em manter atividades ilegais, como a criação de gado, dentro de território indígena demarcado. A operação de desintrusão, ou seja, a retirada de não indígenas da área, havia sido determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como parte do esforço para garantir os direitos originários dos povos indígenas e conter o avanço do desmatamento.
O assassinato não é um episódio isolado, mas parte de um cenário recorrente em que trabalhadores ambientais, servidores públicos e colaboradores são expostos a riscos extremos ao cumprir decisões judiciais e políticas públicas. A violência, nesse contexto, surge como tentativa de intimidação e resistência à presença do Estado.
Um crime que revela a fragilidade da presença do Estado
Ao lamentar publicamente o assassinato, Marina Silva reforçou que proteger o meio ambiente e os direitos indígenas não deveria ser tratado como um ato de confronto, mas como um compromisso institucional com a vida e com o futuro do país. À frente do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a ministra destacou que a perda é irreparável e atinge não apenas familiares e colegas de trabalho, mas toda a estrutura de proteção ambiental brasileira.
Em nota oficial, Marina ressaltou que é dever do poder público assegurar a segurança da sociedade e, especialmente, daqueles que atuam em benefício do patrimônio ambiental nacional. A afirmação ecoa um debate antigo: embora existam decisões judiciais claras e operações estruturadas, a presença do Estado em regiões remotas ainda é insuficiente para inibir ações violentas de grupos que operam à margem da lei.
O caso também evidencia o papel delicado desempenhado por trabalhadores que não pertencem formalmente aos quadros de fiscalização, mas que exercem funções essenciais nas operações de campo. Vaqueiros, motoristas, guias e outros colaboradores acabam se tornando alvos vulneráveis em territórios onde a ilegalidade se organizou ao longo de décadas.

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Terra Indígena Apyterewa e o histórico de conflitos
A Terra Indígena Apyterewa é uma das áreas mais pressionadas do Pará. Localizada em uma região estratégica para a expansão da pecuária e da grilagem, ela se tornou símbolo de como a ausência prolongada do Estado favorece a consolidação de atividades ilegais. Mesmo após decisões judiciais e operações anteriores, invasores retornaram à área, desafiando a autoridade pública e ampliando os riscos de confronto.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) reconheceu que a situação na região é preocupante, mas informou que seus servidores estão abrigados em uma das bases de apoio montadas durante a operação. O posicionamento revela o grau de tensão permanente que envolve ações de desintrusão e a necessidade de protocolos de segurança robustos para proteger equipes em campo.
As suspeitas iniciais apontam que a emboscada contra Marcos Antônio foi planejada por antigos ocupantes do território, inconformados com a retirada forçada e com a perda de acesso às áreas utilizadas ilegalmente para a criação de gado. Esse tipo de reação violenta, embora criminosa, tem se repetido em diversas frentes de fiscalização ambiental na Amazônia, indicando que o conflito vai além de episódios pontuais.
Justiça, investigação e o desafio de seguir adiante
Após o crime, a ministra Marina Silva destacou que a Polícia Federal está mobilizada para investigar o assassinato e identificar os responsáveis. A cobrança por rigor nas apurações não se limita à punição dos autores diretos, mas também à responsabilização de redes criminosas que financiam e estimulam a permanência ilegal em terras protegidas.
Marina afirmou que, apesar da dor e da indignação, as pessoas que atuam em defesa do meio ambiente seguirão firmes em seu compromisso com a justiça socioambiental e a legalidade. A declaração carrega um simbolismo importante: recuar diante da violência significaria abrir espaço para que a ilegalidade se imponha pela força.
O assassinato de Marcos Antônio Pereira da Cruz reforça a urgência de políticas públicas integradas que combinem fiscalização ambiental, segurança pública e desenvolvimento sustentável. Proteger a floresta e os povos originários exige mais do que decisões judiciais; requer presença contínua do Estado, apoio às equipes de campo e enfrentamento estrutural dos interesses ilegais que se alimentam da ausência de controle.
No fim, o crime não atinge apenas uma família ou uma equipe de trabalho. Ele atinge o próprio projeto de país que busca conciliar preservação ambiental, direitos humanos e desenvolvimento. Ao classificar o assassinato como bárbaro, Marina Silva não apenas expressou luto, mas também lançou um alerta: sem segurança para quem protege a Amazônia, não há transição ecológica possível nem futuro sustentável para o Brasil.
















































