Amazônia Viva investe R$ 13 Milhões em crédito para fortalecer produtores amazônicos

Iniciativa da Natura impulsiona Amazônia com R$ 13 milhões em crédito e aposta no poder das comunidades para regenerar a economia e o ambiente


Num cenário onde palavras como “sustentabilidade” e “inclusão” são muitas vezes capturadas por discursos vazios, a iniciativa Amazônia Viva propõe algo mais ambicioso: transformar o crédito rural em ferramenta de cuidado com a floresta, com as comunidades e com o futuro.

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Quando crédito vira cuidado

Com R$ 13 milhões repassados diretamente a 15 cooperativas e associações amazônicas, o projeto encabeçado pela Natura, em parceria com a VERT Securitizadora e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), fecha um ciclo de investimento que foge do padrão das grandes finanças. E o faz com um detalhe que não passa despercebido: 100% de adimplência.

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Fonte: Amazônia Viva

Num país em que os bancos privados hesitam em financiar quem vive distante dos centros urbanos e mais ainda os que vivem da floresta em vez de a converter em pasto, essa taxa não é só um número; é uma afirmação política. Mostra que, quando os recursos são oferecidos com respeito aos tempos e dinâmicas das comunidades, o risco não aumenta. Ao contrário. Como resume Martha de Sá, cofundadora da VERT: “Comunidades tradicionais podem ser parceiras confiáveis quando têm acesso a estruturas financeiras adequadas.”

O mecanismo e suas engrenagens invisíveis

Na prática, o Amazônia Viva se estrutura com dois instrumentos financeiros que dialogam entre si: o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que permite às cooperativas acesso a crédito com juros acessíveis e menos burocracia; e o Fundo Facilitador (ECF), encarregado de apoiar tecnicamente essas mesmas organizações, com investimentos em infraestrutura, conservação e capacitação. É uma aliança entre dinheiro e conhecimento, num modelo de financiamento que não se limita à lógica da dívida, mas aposta na reciprocidade.

Enquanto o CRA se posiciona como alavanca econômica, o ECF cumpre o papel de mediador: apoia processos de fortalecimento institucional, qualificação de lideranças, acesso a mercados e preservação do território. Ambos operam sob uma governança compartilhada, e aqui reside outra singularidade do mecanismo. Não se trata de aplicar capital do alto para baixo, mas de construir junto com quem está no chão da floresta. Representantes das comunidades participam das decisões, imprimindo à política do crédito uma ética da escuta.

Um território em regeneração

No pano de fundo, o projeto mira em uma paisagem mais ampla. A ideia é alcançar mais de 40 organizações em 16 territórios da Amazônia, impactando diretamente mais de 10 mil famílias e ajudando a conservar ou regenerar até 3 milhões de hectares de floresta. Não se trata, é bom destacar, de preservar como quem congela um museu verde, mas de permitir que os modos de vida locais floresçam em harmonia com o ecossistema. Ou seja, é sobre continuidade e pertencimento, e não sobre “salvação” externa.

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Fonte: Genilson Guajajara, Marcos Santos, Rossana Fraga,Acervo PNUD/Floresta+, Acervo ONU Brasil e Reprodução/Conservação Internacional

Dentro desse espírito, parte dos recursos já começou a ser canalizada para o fortalecimento da base produtiva: R$ 6,3 milhões estão sendo investidos em melhorias de unidades de beneficiamento de nove cooperativas fornecedoras da Natura, respeitando critérios de certificação regenerativa da União para o Comércio Ético de Biocomércio (UEBT). Também há investimentos em sistemas agroflorestais com macaúba, uma palmeira nativa com enorme potencial para restaurar áreas degradadas no Pará, onde R$ 1 milhão foi destinado especificamente para esse fim.

São escolhas técnicas, sim, mas profundamente simbólicas: tratam da reconexão entre produção e cuidado, da ideia de que regenerar pode ser mais do que mitigar, pode ser um modo de existir economicamente.

Dinheiro com rosto e gênero

Não basta pensar o território; é preciso também ampliar quem tem voz nas decisões sobre ele. O Amazônia Viva começa, ainda que timidamente, a incorporar agendas transversais que tensionam o patriarcalismo estrutural das cadeias produtivas. Em abril, realizou sua primeira Oficina de Gênero, reunindo mulheres de 14 organizações. Foi mais que um evento pontual, foi um gesto político que escancarou a ausência de mulheres em espaços decisórios e começou a pavimentar outra lógica de liderança.

Em março, também foi formalizado o Conselho Territorial, instância consultiva com representação comunitária e juvenil. A governança, aqui, se espraia para além dos escritórios institucionais e reconhece outras formas de saber, de experiência e de presença política. Há algo de radical, ainda que silencioso, nesse modo de desenhar um sistema financeiro que escute vozes historicamente silenciadas.

Da floresta para o mercado

A presença da Natura não se limita ao financiamento. A empresa também atua como compradora dos insumos produzidos pelas cooperativas, oferecendo previsibilidade de demanda, um elemento fundamental para que os empreendimentos possam crescer com segurança. A simbiose entre financiamento, apoio técnico e garantia de mercado é um diferencial que poucos projetos de impacto socioambiental conseguem sustentar. E isso não se dá sem parcerias robustas: Fundo Vale, Good Energies Foundation, IFC, BID Invest e o próprio FUNBIO estão entre os que sustentam a arquitetura financeira e institucional do mecanismo.

Mas não se trata apenas de uma cadeia de fornecimento renovada; é uma tentativa de redesenhar o que entendemos por valor. Se o mercado costuma precificar a matéria-prima e ignorar o território que a gerou, aqui se tenta o inverso: é o território, com sua biodiversidade e sua cultura, que se torna ativo econômico central. Isso exige outro tipo de olhar menos extrativista e mais ecológico no sentido profundo do termo, que remete à casa comum.

Um experimento que não se repete, mas se reinventa

Pode-se perguntar, com razão, se esse modelo é replicável. A resposta talvez seja: não da mesma forma. O que o Amazônia Viva propõe é menos uma fórmula e mais um modo de fazer, um conjunto de princípios. O sucesso da iniciativa até aqui se deve, em parte, a sua capacidade de construir a partir do território, e não apesar dele. Cada comunidade tem seus ritmos, seus conflitos, suas potências. Projetos que ignoram isso tendem a fracassar ou, pior, a gerar dependência.

Esse experimento amazônico desafia o sistema financeiro tradicional a pensar diferente. Propõe que o crédito não seja apenas concessão, mas construção. Que o desenvolvimento seja não um destino imposto, mas um caminho tecido coletivamente. E que a floresta, tão frequentemente vista como obstáculo ao progresso, seja, ao contrário, a condição dele.

Se o século XXI clama por novas formas de convivência entre economia e ecologia, talvez seja hora de escutar o que vem do Norte, não dos gabinetes em Brasília ou dos satélites internacionais, mas das margens dos rios, dos centros comunitários, das vozes que conhecem o cheiro da terra molhada depois da chuva.